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Trump, nazismo e crianças na fronteira: fake news e relativismo moldando o debate

Por Andréa Fernandes

O mais novo capítulo da série “crise imigratória na fronteira sul dos Estados Unidos” teve lamentavelmente a participação especial involuntária de crianças aflitas que foram separadas dos seus pais, familiares ou acompanhantes na condição de imigrantes ilegais detidos na fronteira com o México.

Reforçando a polêmica, a revista TIME disponibilizou a imagem da capa de sua edição de 2 de julho, em que uma bebê hondurenha de 2 anos foi posicionada em frente ao “Trump imponente”. A pequena Yanela chorava compulsivamente por ver sua mãe sendo revistada na fronteira. O título, que alude às críticas ácidas dirigidas ao presidente norte-americano, sugere a encrenca em que se envolveu: Bem-vindo à América: uma autocrítica após a política de separação de fronteira de Trump – que tipo de país somos[1]?”. ” Rapidamente a foto foi rotulada por alguns jornalistas como a “mais impactante dos últimos tempos”.

A imagem da capa da revista TIME foi destaque na cobertura internacional de política em todo mundo e a matéria replicada pela CNN, The Washington Post, Daily Mail e vários  noticiários, até que a família da criança desmentiu a “famigerada desinformação”. Soube-se que mãe e filha não foram separadas por autoridades americanas no momento da detenção. A FOX NEWS[2] traz a bombástica revelação desmascarando mais um célebre caso de fake news:

 “Mas o pai da garota por trás da imagem icônica foi entrevistado e disse que soube que sua filha de dois anos foi detida com a mãe numa instalação do Texas, e as duas não foram separadas. O governo hondurenho confirmou sua versão dos acontecimentos à Reuters”.

Para aumentar a vergonha dos editores da revista, o pai da criança reconheceu que sua esposa e filha estavam mais seguras do que quando viajavam em direção à fronteira.

Dessa forma, independentemente da “capa de revista fake news”, considera-se retratado o ponto nevrálgico da controversa medida de Trump. Quem não se irritaria profundamente ao ouvir áudios de crianças chorando após separação dos pais numa fronteira? E o cenário caótico de criancinhas mantidas em instalações com aspecto de “gaiolas”? Num momento como esse, a opinião pública global nem vai lembrar que as celas chamadas de “gaiolas” ou “jaulas” pelos muitos opositores de Trump são reminiscência do tratamento outorgado às crianças no governo antecessor[3].

Imagens das “crianças em gaiolas” foram veiculadas por ex-funcionários de Obama mostrando as péssimas condições em que eram mantidas as crianças no Centro de Alfândega e Colocação e Proteção de Fronteiras. Todavia, descobriu-se que os maus-tratos foram impostos em 2014, quando o democrata, que hoje critica Trump, ainda ocupava a presidência. Jon Favreau, responsável por escrever discursos para Obama, se juntou à legião de “desinformadores” que usaram uma foto dos tempos do governo democrata num post do Twitter para criticar Trump, apagando a mensagem após ser informado que a imagem seria de 2014, justificando, no entanto, que as crianças sujeitas aos maus-tratos seriam “menores desacompanhados”. Com isso, encerra-se a polêmica sem que jornalistas chamem de “campos de concentração” os centros de acolhimento de Obama, que também não foi chamado de “nazista” por manter crianças em “gaiolas”.

Obama está livre de qualquer acusação de cunho racista ou xenófobo ainda que as instalações onde eram mantidas as crianças durante o seu governo fossem mais desumanas que as ofertadas pela administração Trump. As imagens expostas por Breitbart Texas, em junho de 2014, mostrando crianças amontoadas sem colchões em prédios visivelmente insalubres não foram consideradas “as mais impactantes dos últimos tempos”[4]. O “código de ética” da imprensa progressista deve impedir o jornalismo de vincular a imagem de Obama ao nazismo e as suas ações desastrosas no quesito “imigração” aos campos de concentração.

Alguns portais de notícias acusaram Trump de manter CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO[5]. De olho nessa acusação infame, a principal rede de comunicação brasileira não poderia abandonar a “tendência marcante” de seguir a estratégia do engano, e para tanto, o jornal ‘O Globo’ publicou nessa sexta-feira(22) o artigo de Richard Parker postado originalmente no jornal ‘New York Times’ com o título “O Campo de Concentração para Crianças nos EUA[6]. O leitor só descobre que a comparação trata de “campos de concentração americanos da Segunda Guerra Mundial” após a leitura de alguns parágrafos. A sutileza é necessária porque nem todos sabem que o governo americano manteve esse procedimento na 2ª GM e por isso, fica muito mais fácil aliar a “prática trumpiana” aos famosos e horrendos campos de concentração mantidos pelo regime nazista.

Como a imprensa vem sendo utilizada para “relativizar” os crimes hediondos promovidos durante o Holocausto, aplicando conceitos próprios daquela modalidade de desumanidade às atuais sem respeitar a desproporcionalidade entre ambas, cabe citar as experiências vividas no “Pequeno Auschwitz”, um campo de concentração projetado especialmente para receber crianças durante o genocídio promovido por Hitler e aliados na Europa.

“No acampamento, as crianças se depararam com tudo o que tinham conhecido em outros lugares: trabalho exaustivo, surras, fome e frio insuportável. Além disso, não havia ninguém por perto que pudesse cuidar deles ou explicar-lhes o que estava acontecendo ao seu redor. O campo é pouco conhecido, não apenas no exterior, mas também na Polônia, e poucos moradores da cidade já ouviram falar dele.[7]

Seria aconselhável leituras comprometidas com a “verdade dos fatos” em vastas obras que descrevem esse terrível período nazista de massacres sistemáticos promovendo extermínio de 6 milhões de judeus e 11 milhões de não-judeus, entre ciganos, testemunhas de Jeová, padres, homossexuais, sindicalistas, comunistas, anarquistas, poloneses, outros povos eslavos e combatentes da resistência[8].

Portanto, chamar as instalações onde são abrigadas crianças imigrantes nos EUA de “campos de concentração”, é uma fraude que desrespeita a memória de milhões de vítimas diretas e indiretas do odioso genocídio nazista. Cumpre trazer à baila que muitos desses jornalistas que criticam Trump com tais acusações não se referiam aos cativeiros das milhares de meninas cristãs e yazidis mantidas como “escravas sexuais” do Estado Islâmico[9] como “campos de concentração[10]. O termo só é adequado para definir a política de imigração direcionada por governo republicano limitado por legislação genuinamente engendrada por democratas.

Inobstante a má-fé da retórica usual dos opositores do presidente dos EUA, ao que parece, as “gaiolas” herdadas da administração Obama tiveram uma certa melhoria na “era Trump”, ao ponto de o senador Merkley, em visita a uma das instalações onde as crianças são acolhidas, minimizar as boas condições que lhes possibilitariam bem-estar físico[11], muito embora seja inegável a realidade apresentada pela Academia Americana de Pediatria alertando sobre os danos irreparáveis que a separação traumática dos filhos em relação aos seus pais podem causar, o que é suficiente para condenar a ação de Trump ainda que instalasse os infantes em “palácios”. Só lamento que a ex-primeira dama Laura Bush e o congressista democrata Peter Welch não tenham denunciando como “prisão” essas instalações na época em que Obama ainda governava os EUA. Quem sabe a mídia americana não convenceria o eleitorado de Trump a pressioná-lo para não utilizar essas deploráveis gaiolas?

De qualquer maneira, as críticas alertaram Trump quanto ao excesso cometido na medida em que pune injustamente crianças por supostas ações ilegais cometidas por seus pais. Assim, afirmando não quero que crianças sejam tiradas de seus pais[12], Trump corrigiu o erro emitindo uma ordem executiva[13], o que não  garantiu a pacificação daqueles que politizaram a questão visando prioritariamente promover o alavancamento da agenda progressista no que concerne à manutenção da política de estímulo à imigração ilegal tão benéfica às candidaturas democratas[14] sem a mínima preocupação com o real interesse das crianças. Com isso, alguns pais irresponsáveis que expõem os filhos à toda sorte de risco na perigosa travessia são considerados “vítimas inocentes” de uma política anti-imigratória, e não “violadores da lei” como acontece em países atentos à segurança dos seus nacionais com vigilância reforçada nas fronteiras.

Por ora, aguardemos a solução prática da violação de direitos humanos promovida contra as crianças imigrantes, que ainda não estão plenamente protegidas, pois o decreto assinado por Trump pode ser contestado judicialmente por não se adequar ao “Acordo Flores”, de 1997, que estipula as condições para acolhimento de crianças provenientes da imigração ilegal[15]. Segundo acréscimo posterior ao acordo judicial promovido por Bill Clinton em 1997, o prazo para permanência das crianças em centros de detenção não pode ultrapassar a 20 dias, mesmo que estejam na companhia dos pais, o que entra em choque com o decreto assinado por Donald Trump, que autoriza às crianças permanecerem com seus pais até o fim do processo judicial com decisão acerca da deportação ou concessão de asilo.

O poder de convencimento de Trump quanto às suas propostas na mudança da lei de imigração que pode vir a impedir o aumento da imigração ilegal no território estadunidense será posto à prova na próxima semana, uma vez que líderes do partido Republicano retiraram projeto de lei possibilitando a inclusão de novas exigências. Após os debates e apreciação do projeto na Câmara, o grande desafio se dará no Senado, já que o Partido Republicano não tem maioria garantida de votos. Dessa forma,  Trump pode amargar o fracasso de Bush e Obama que sofreram derrotas num Congresso[16] que vem sendo hesitante às aspirações do povo americano para decisão definitiva do tema “imigração ilegal”.

Espero que o tratamento desumano infligido às crianças imigrantes que eram separadas dos seus pais desde abril possa ter fim com a mudança definitiva da lei que o fundamenta – coincidentemente elaborada por democratas – e por conseguinte, o tema mais espinhoso dos últimos anos seja deliberado no Congresso americano para que a população volte a ter esperança em viver em segurança e distanciada do fantasma do  aumento da criminalidade[17] causado pela imigração ilegal.

Artigo publicado originalmente no Portal Braisntormm em 23 de junho de 2018. Foto: Mike Blake/Reuters)

Andréa Fernandes é jornalista, advogada, internacionalista, líder do Movimento pelo Reconhecimento do Genocídio de Cristãos e Minorias no Oriente Médio e presidente da ONG Ecoando a Voz dos Mártires.

[1] https://istoe.com.br/time-critica-politica-migratoria-de-trump-com-capa-emblematica/

[2] http://www.foxnews.com/politics/2018/06/22/crying-migrant-girl-on-time-magazine-cover-was-not-separated-from-mother-family-says.html

[3] https://g1.globo.com/mundo/noticia/fotos-de-criancas-detidas-na-era-obama-sao-usadas-em-criticas-contra-politica-de-trump-na-fronteira.ghtml?utm_source=facebook&utm_medium=share-bar-desktop&utm_campaign=share-bar

[4] http://www.breitbart.com/texas/2014/06/05/leaked-images-reveal-children-warehoused-in-crowded-us-cells-border-patrol-overwhelmed/

[5] https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/rfi/2018/06/21/recuo-de-trump-neutraliza-efeito-perverso-mas-severa-politica-migratoria-dos-eua-continua.htm

[6] https://oglobo.globo.com/mundo/artigo-campo-de-concentracao-para-criancas-nos-eua-22809121

[7] https://aleteia.org/2017/11/26/did-you-know-there-was-a-concentration-camp-for-children-little-auschwitz/

[8] https://www.huffpostbrasil.com/2015/01/27/as-vitimas-esquecidas-do-holocausto-os-5-milhoes-de-nao-judeus_a_21675298/

[9] https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2015/09/01/refugiada-conta-como-e-a-vida-no-mercado-de-escravas-do-estado-islamico.htm

[10] https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/02/1587234-ex-escravas-relatam-rotina-de-horror-que-sofreram-com-faccao-radical.shtml

[11] https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/06/como-sao-as-jaulas-em-que-os-eua-estao-detendo-filhos-de-imigrantes-sem-documentos.shtml

[12] https://www.straitstimes.com/world/united-states/trump-doubles-down-on-family-separations-as-border-crisis-rages

[13] http://www.foxnews.com/politics/2018/06/20/like-bush-and-obama-trump-gets-stuck-on-immigration.html

[14] https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,imigrantes-nos-eua-tendem-a-votar-em-candidato-democrata,948555

[15] https://oglobo.globo.com/mundo/2018/06/20/2273-analise-recuo-de-trump-parcial-pode-ser-contestado-judicialmente

[16] http://www.foxnews.com/politics/2018/06/20/like-bush-and-obama-trump-gets-stuck-on-immigration.html

[17] https://amgreatness.com/2018/05/07/yes-npr-illegal-immigration-does-increase-violent-crime/

 

Especialistas questionam plano europeu para deter imigração ilegal

Capacidade bélica e facilidade de renovação do equipamento de traficantes de seres humanos são desafios que podem frustrar planos da União Europeia

BRUXELAS — Especialistas dizem que o plano da União Europeia (UE) para o tráfico de seres humanos no Mediterrâneo é um projeto de curto prazo, que provavelmente será perigoso, caro e difícil de implementar.

Dado o número crescente de mortes de imigrantes que tentam atravessar o Mediterrâneo para chegar à Europa, a UE tem a intenção de lançar uma operação militar no próximo mês para “destruir o modelo de negócios” dos contrabandistas de seres humanos em meio à alta temporada de migração. A operação inclui o monitoramento das rotas de tráfico de seres humanos, perseguição e abordagem de barcos possivelmente utilizadas para o transporte ilegal de imigrantes e, possivelmente, sua destruição.

No entanto, especialistas expressaram preocupação nesta terça-feira de que a operação seria somente uma demonstração para manifestar a decisão da UE de dar fim às perigosas travessias no Mediterrâneo.

A operação ainda está em fase de planejamento e precisa de uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, além de alguma forma de consentimento da Líbia, principal ponto de partida dos traficantes de seres humanos. A campanha incluirá navios e aviões europeus e vigilância por satélite.

— Realizar esta ação militar agressiva realmente equivale a fazer muito barulho — afirmou Tuesday Reitano, diretora da Iniciativa Global de Contra o Crime Organizado Transnacional. — Vai custar muito caro, e vai parecer bastante impressionante com patrulhas navais, mas certamente não terá um impacto a longo prazo.

De acordo com um documento, o objetivo é “romper o modelo de negócio dos traficantes”, destruindo sistematicamente seus principais bens: os barcos. Mas alguns dos barcos mais simples, muitos deles, botes infláveis, podem ser facilmente substituídos. Outros foram concebidos para serem abandonados, como o navio de carga programado para encalhar na costa italiana.

Funcionários do alto escalão da UE elogiaram o sucesso das iniciativas da Europa e da Otan contra piratas ao largo da costa da Somália, e confiam nesse bom antecedente para iniciar uma outra campanha no Mediterrâneo.

No entanto, especialistas alertam que a luta contra os piratas é bastante diferente do combate às redes criminosas da Líbia, que têm acesso a armas modernas e poderosas, roubadas do Exército líbio.

http://oglobo.globo.com/mundo/especialistas-questionam-plano-europeu-para-deter-imigracao-ilegal-16204241