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“Marielle vive” e “Patrícia Acioli morre” nos anais do ativismo seletivo

Por Andréa Fernandes

Venho acompanhando a “guerra de narrativas” que se estabeleceu desde o momento que a imprensa noticiou a bárbara e covarde execução da vereadora Marielle Franco, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL/RJ). Na condição de carioca preocupada com o caos que se implantou na segurança pública do meu querido Rio de Janeiro, é lógico que fui impactada com os desdobramentos de um crime que – vergonhosamente, devo reconhecer –  representa a “normalidade” dos índices de violência que estimularam o presidente Temer a promover intervenção federal, que veio a ser impugnada no Judiciário pelo partido de Marielle, usual crítico das forças policiais, porém, silente em relação ao poder paralelo e consequentes atrocidades promovidas pelo tráfico contra moradores acuados em favelas. Cabe salientar que acessei a página oficial do PSOL e não havia no informativo denominado “resoluções[1]” crítica ou denúncia contra os traficantes que impõem terror em seus “reféns encarcerados” nas comunidades carentes. De modo que, a princípio, o partido não vê a ação do tráfico como “opressão”. Por que será?

Lembro que minha primeira manifestação nas redes que gerou mais de 3,3 mil compartilhamentos externou a revolta de uma cidadã – não uso rótulos vitimistas – que leu em jornais a notícia da execução da vereadora sem menção do nome do motorista que foi tão “vítima” da violência quanto Marielle. Ora, pensei: “por que esse “pai de família desempregado” que representa milhões de brasileiros na mesma condição  foi tratado inicialmente como “invisível” pela mídia e movimentos esquerdistas? Por que, seu “cadáver” não pôde ser aclamado nos comícios montados pelos movimentos de esquerda como “símbolo dos oprimidos pelas classes dominantes”?

Daí, escrevi no meu Facebook: “Ainda não vi consternação pela morte do motorista, deve ser porque não era ‘mulher negra’. Era só um trabalhador”.

Tenho certeza absoluta que todos aqueles que compartilharam meu post acreditam piamente que num contexto de violência endêmica, não existe “cadáver mais especial que outro”…

Nesse sentido, vejo uma “comoção artificial” gerada pela imprensa e movimentos sociais que tentam a todo instante apresentar a vereadora não somente como uma defensora dos direitos humanos, mas, também uma heroína defensora dos policiais[2], muito embora a mesma conclamasse aguerridamente o “fim da polícia” e acusasse – sem provas – policiais de comentimento de crimes como no sua última manifestação nas redes, que atribuía a morte de um jovem a uma possível ação da polícia[3] . No entanto, atrocidades promovidas pelo tráfico não geravam a mesma revolta em tom de denúncia.

Aliás, até a pauta de “direitos humanos” evocada pela mídia segue uma agenda progressista no mínimo “discutível”. Afinal de contas, será que para a maioria da população brasileira, a defesa do aborto e da liberação das drogas, além de outras pautas defendidas por Marielle, seriam compatíveis à benemérita seara dos direitos humanos? Porém, num ambiente raivoso onde todos aqueles que não comungam do “ditoso padrão comportamental” estipulado por “acadêmicos de Frankfurt”, analisar fatos desnudando narrativas distantes da natureza supostamente humanitária, já é o suficiente para ser rotulado de forma negativa com ofensas inexprimíveis. Qualquer crítica ao uso político da morte da veredadora para fortalecimento de uma agenda ideológica altamente perniciosa justifica ofensas e acusações das mais variadas. Parece que os simpatizantes dos partidos de esquerda esquecem que as últimas décadas dominadas por suas “pautas humanistas” propiciaram a degredação da segurança pública.

Contudo, confesso que o apelo emocional promovido pela imprensa e a argumentação desenvolvida nas redes tem lá o seu poder sedutor. Li um post no Facebook que retrata bem isso… Um rapaz afirma que a vereadora  mereceu a comoção gigantesca orquestrada pela mídia e grupos de esquerda, que teriam se manifestado nas ruas por causa da sua “representatividade”. Ela seria um “símbolo” pelos seguintes fatos: era VEREADORA, MULHER, NEGRA e LÉSBICA. Ou seja, se ela não tivesse preenchido essas “condições”, sua morte não teria o condão de arregimentar multidões. Mas será que a “motivação” da consternação e revolta dos vândalos que picharam a Câmara Municipal do Rio de Janeiro era realmente em virtude do simbolismo que a Sra. Marielle trazia consigo? E as milhares de pessoas que também se manifestaram sem depredar o patrimônio público?

Em sendo verdadeiro o argumento da “carga simbólica”, a expressão de revolta contra as mazelas sociais está limitada ao aspecto das “categorias” que sofrem a violência. Se a “vítima” de criminosos cada vez mais audaciosos nas ações de barbárie não pertencer às categorias já estabelecidas por “sociólogos bacaninhas” como “minorias perseguidas pelas elites brancas”, haverá toda uma conjugação de esforços da imprensa, movimentos sociais e líderes partidários da esquerda para minimizar o impacto da desgraça como se uma parte da população dizimada pela violência, que é geral, fosse mais “desgraçada” que a outra parte que deu o “azar” de não ter nenhum “atributo simbólico”.

Assim, fica muito complicado tentar levar as pessoas à seguinte reflexão: Marielle não morreu por ser mulher, negra, ex-favelada e lésbica. Ela morreu, possivelmente, em função das atividades que desempenhava pelo cargo público que ocupava, e nesse aspecto, há necessidade de investigação para identificar e punir com todo rigor da lei os criminosos, lembrando que é muito precipitado chamá-la de “mártir” sem haver aferição das cisrcuntâncias que levaram ao crime, sob pena de culpar antecipadamente a polícia, costume banal dos movimentos de esquerda que agem ao arrepio da lei com a presunção antecipada de culpa por parte dos policiais, eleitos “verdugos das favelas”.

Um fato curioso é que o assassinato de autoridades políticas, judiciárias ou de candidatos a cargos nos poderes Executico e Legislativo não mereceu a elaboração de estatísticas oficiais em nosso país, mas nas eleições em 2016, entre junho e setembro, 45 políticos brasileiros foram alvos de ataques a tiros, dos quais 28 morreram, 15 durante a campanha. Números assustadores, não? Nenhum caso despertou revolta ou comoção da esquerda, que estranhamente “abafou” o escândalo da execução do prefeito Celso Daniel (2002), de Santo André, e de algumas testemunhas. Celso Daniel era um dos homens mais carismáticos do PT e cogitado para sucessão de Lula[4]. Após sua execução, alguns petistas denunciaram o assassinato como “crime político” tal qual estão fazendo em relação à vereadora, embora não haja ainda robusta evidência endossando essa hipótese. Porém, com o desenrolar das investigações, o PT passou a advogar a tese de “crime comum” numa tentativa desesperada de silenciar a repercussão do caso que enxovalhava a imagem do partido. Celso Daniel passou a ser um “fantasma incômodo”.

Todavia, até o momento, o “caso Marielle” vem servindo a contento como bandeira política para o PT, PSOL e demais partidos de esquerda, já que a vereadora assassinada conta com maciço apoio midiático destacando sua luta por direitos humanos. Realmente, melhor “símbolo” não poderia existir… Marielle era apresentada como a favelada que venceu a estigmatização da população negra e pobre alcançando um lugar ao sol na “Casa do Povo” junto ao partido que denuncia policiais e milícias, mas não costuma expressar repúdio às atrocidades do Comando Vermelho.

Aos “gritos de guerra” das lideranças políticas e da mídia, milhares de pessoas foram às ruas e a militância passou a reverberar suas pautas, promovendo tácita e inconscientemente a defesa da liberdade necessária para o tráfico continuar agindo impunemente sem as “ações paliativas” da intervenção federal. Afinal, essa era uma das “lutas” da vereadora-ativista de extrema-esquerda que via no efetivo policial o maior inimigo das favelas.

Como todo ente corporativista, as esquerdas elegeram a vereadora como “mártir” num momento em que precisavam forjar uma “situação política favorável” para implementar sua agenda bolivariana extinguindo as polícias militares. A comoção anula qualquer tentativa de racionalidade para enfrentamento do crime organizado que se agigantou graças às políticas paternalistas de governos esquerdistas que resultaram na explosão de violência que assola o estado.

Interessante, que auxiliares da Procuradora Geral da República Raquel Dodge alegam semelhança entre as execuções de Marielle e da juíza Patrícia Acioli[5], executada cruelmente na porta de sua casa em Niterói  (RJ), com 21 tiros – a maioria no rosto e no tórax – no ano de 2011. Lógico, que ninguém lembrou que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negou pedido de proteção  policial para a juíza que enfrentou bravamente a corrupção em determinados seguimentos da polícia antes de ser assassinada[6].

Ao contrário da vereadora de extrema-esquerda, a execução da juíza que condenou pelo menos 60 policiais nos últimos dez anos de atuação no Judiciário, não levou multidões para as ruas tendo em vista o “descaso” dos movimentos de esquerda e “azar” de não ser retratada como “heroína” pela imprensa, que se esforçou para “arranhar” sua imagem tachando-a de “rígida”, “impulsiva dentro e fora do tribunal”, centralizadora, “obsessiva”, dentre outras “pérolas de demonização”. Elogios merecem apenas os infalíveis ativistas esquerdistas; os demais defensores de direitos humanos têm defeitos que devem ser salientados para que não se tornem “mártires” frente à opinião pública!

 A mulher corajosa que aplicava a lei para condenação de grupos de extermínio, milícias e quadrilhas formadas por policiais teve apenas cerca de 450 pessoas acompanhando seu sepultamento. O movimento “Rio de Paz” fez um “protesto silencioso”, além disso, amigos e familiares fizeram um pequeno protesto em frente ao fórum de São Gonçalo. Quer fim mais inglório para a juíza que não preencheu os requisitos exigidos pela esquerda para alcançar o apogeu do martírio?

Nem mesmo os depoimentos de colegas de faculdade da juíza convenceram os partidos de esquerda e a mídia. Segundo essas “testemunhas solenemente ignoradas”, Patrícia mantinha a determinação com que lutava por seus ideais de faculdade: “defender os pobres contra a injustiça social”[7]. Essa virtude que costuma ser “lema” nos discursos da esquerda de nada adiantou para a juíza, que enfrentou ameaças de morte com coragem digna de estadistas. Uma mulher branca elitizada “não combina” com essa “coisa engajada” que é defender pobres!

Assim, após o assassinado de Marielle, alguns jornalistas, militantes esquerdistas e membros da Procuradoria Geral da República ressuscitaram o cadáver da corajosa juíza sem elevá-la à heroína dos direitos humanos como vem fazendo com a vereadora.Tratou-se apenas de uso estratégico de um ato covarde de violência para ratificar as teses que reforçam convicções que precedem às investigações. Recordemos que a juíza foi morta por policiais.

No entanto, em minha memória, Marielle jaz como um ser humano e parlamentar que teve a vida ceifada covardemente em circunstâncias ainda não esclarecidas, mas de todo abomináveis que merecem não apenas investigação e punição exemplar, mas também, REPÚDIO dos cidadãos de bem que abominam a violência que mata independentemente da cor da pele, gênero, profissão ou classe social.

De fato, Patrícia é a “mártir” desprezada pela imprensa, intelectuais e militância de esquerda por não ter pertencido aos quadros do partido que sequestrou o conceito de “direitos humanos” e dita arrogantemente as “regras” quanto aos merecedores de “reconhecimento post mortem” num tempo em que a violência não escolhe vítimas segundo os modelos de segregação formulados por humanistas seletivos.

Assim caminha a desumanidade, “Marielle vive” e “Patrícia Acioli morre” nos anais do esquecimento.

Publicado originalmente em 18 de março no Portal Conexão Política

[1] http://www.psol50.org.br/resolucoes-das-setoriais-aprovadas-no-6o-congresso-ressaltam-atuacao-do-psol-nas-lutas-contra-as-opressoes/

[2] https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/mae-de-policial-assassinado-relembra-ajuda-de-marielle-franco-no-caso-foi-imbativel.ghtml

[3] https://oglobo.globo.com/rio/quantos-mais-vao-precisar-morrer-para-que-essa-guerra-acabe-escreveu-marielle-um-dia-antes-de-ser-morta-22491127

[4] http://sensoincomum.org/2017/01/20/celso-daniel-livro-cadaver-pt/

[5] https://oglobo.globo.com/rio/auxiliares-de-dodge-veem-assassinato-de-marielle-semelhante-ao-de-patricia-acioli-22495830

[6] http://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/tj-negou-pedido-de-protecao-policial-a-juiza-executada-no-rio-de-janeiro/

[7] http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2108201112.htm

 

A história da mulher brutalmente morta que virou mártir no Afeganistão

Farkhunda Malikzada foi cercada por multidão de homens em templo de Cabul; morte gerou protestos.

Em março, uma mulher de 27 anos foi brutalmente assassinada por uma multidão em Cabul, capital do Afeganistão.

Ela foi espancada com paus e pedras até a morte por um grande grupo, composto em sua maioria por homens, perto de um templo, depois de ser falsamente acusada de ter queimado uma cópia do Alcorão.

O linchamento de Farkhunda Malikzada desencadeou uma onda de luto e vergonha no país, provocou grandes protestos e resultou no julgamento dos acusados. Mas alguns dos condenados tiveram suas sentenças diminuídas e outros já saíram da prisão.

O incidente ocorreu dois dias antes do Ano-Novo afegão. Farkhunda havia prometido à mãe, Bibi Hajera, que ajudaria nos preparativos da festa quando voltasse da aula que participaria naquele dia, uma prática de recitar o Alcorão.

Ela trabalhava como professora voluntária enquanto estudava a lei islâmica, queria se casar e formar uma família, mas também sonhava em ser juíza.

“Farkhunda era corajosa e não tinha medo de falar o que pensava”, disse Bibi Hajera.

Filmada
O que aconteceu com a jovem, além de chocar o país, também virou manchete na imprensa mundial.

No caminho de volta para casa, Farkhunda parou no templo Shah-e Du Shamshira, no centro da cidade. Fez orações e então entrou em uma discussão a respeito da venda de amuletos – pequenos pedaços de papel com versos do Alcorão.

Farkhunda argumentava que o gesto seria supersticioso e não islâmico quando o zelador do templo, Zain-ul-Din, começou a gritar: “Esta mulher é uma americana e ela queimou o Alcorão!”.

Uma multidão se aglomerou e alguns começaram a filmar com celulares. As imagens são muito chocantes, mas Bibi Hajera assistiu.

Farkhunda, usando um véu, está dentro do portão do templo, negando que queimou o Alcorão.

“Os americanos a enviaram”, grita um homem. “Não me chame de americana!”, responde Farkhunda. “Se você falar alguma coisa, vou arrebentar sua boca”, responde o homem.

Ela ainda pede para não ser filmada, mas o vídeo continua. Farkhunda é então arrastada para fora do templo, jogada no chão e chutada, enquanto a multidão grita: “Mate-a!”.

Depois de alguns disparos feitos pela polícia, a multidão se afasta e é possível ver a jovem sentada no asfalto, a coluna reta, o véu foi arrancado, sem um dos sapatos, o cabelo desarrumado, mãos e rosto vermelhos, cobertos de sangue. Aturdida, Farkhunda encara a câmera.

“O que dói o coração é quando ela está sentada assim e a cabeça está sangrando. A polícia fica parada lá. Por que eles não trouxeram um carro, ou uma policial?”, pergunta Bibi Hajera.

A polícia desistiu de afastar a multidão. As imagens mostram os policiais assistindo enquanto Farkhunda é jogada no chão, chutada, espancada com pedaços de madeira e atropelada por um carro que a arrastou por 200 metros.

“Eles foram negligentes. Era dever deles evitar que a senhorita Farkhunda fosse martirizada desta forma”, disse o general Zahir Zahir, chefe da investigação criminal da polícia de Cabul.

Farkhunda ainda foi arrastada pela rua, jogada em um leito de rio seco e apedrejada. A multidão ainda ateou fogo ao corpo da jovem depois do apedrejamento.

Compartilhamento e apoio
O vídeo do linchamento logo foi publicado e compartilhado na web. Muitas pessoas se gabaram online de terem participado do episódio; outras elogiaram os linchadores.

Apesar de o presidente Ashraf Ghani ter condenado o linchamento e ordenado uma investigação, algumas autoridades apoiaram o crime, incluindo o vice-ministro da Informação e Cultura, Semin Ghazai Hasanzada, e o porta-voz da polícia de Cabul, Hashmat Stanekzai.

No dia seguinte, depois das orações de sexta-feira, alguns imãs importantes do país também apoiaram o linchamento.

A polícia disse à família de Farkhunda que deixasse Cabul por motivos de segurança.

Na noite do dia seguinte ao linchamento, a narrativa mudou. Uma investigação do Ministério de Assuntos Religiosos não encontrou provas de que Farkhunda tivesse ateado fogo ao Alcorão.

Imãs e oficiais recuaram nos comentários de apoio à morte dela e, depois, Hasanzada e Stanekzai foram demitidos.

Da aversão ao martírio
Bibi Hajera, a mãe, se lembra de ir ao necrotério reconhecer o corpo da filha.

“Abri zíper do saco plástico. Disse: ‘Farkhunda, minha filha’, falei com ela, limpei suas mãos e rosto. As mãos e pés estavam queimados e feridos, o rosto dela estava todo queimado”, disse.

“‘Por que eles fizeram isso com você, minha menina?’ Senti como se ela estivesse me falando: ‘Eu era inocente. Eu era inocente, mãe.'”

Farkhunda passou de alvo a mártir. Mais de mil pessoas foram ao seu enterro.

Em um ato sem precedentes para um país onde funerais são eventos apenas para homens, o caixão dela foi levado por mulheres.

“Minhas amigas e eu prometemos umas às outras: ‘Não vamos deixar nenhum homem tocar neste caixão”, disse a ativista pelos direitos da mulher Sahra Mosawi. “Eles chegaram e nós falamos: ‘Não encostem. Onde vocês estavam no dia em que 150 homens atacaram Farkhunda?’.”

“Foi a primeira vez no Afeganistão que vi mulheres apoiando umas às outras, juntas.”

Dois dias depois, no dia 24 de março, milhares de mulheres e homens protestaram em Cabul, gritando “Somos todos Farkhunda!” e exigindo justiça. Alguns dos manifestantes pintaram o rosto de vermelho, lembrando a imagem da jovem.

Condenação
Quarenta e nove homens foram acusados por envolvimento com o assassinato.

O julgamento foi transmitido pela televisão seis semanas depois. Onze policiais foram sentenciados a um ano de prisão por não terem defendido Farkhunda, oito civis foram condenados a oito anos de detenção e quatro pessoas foram sentenciadas à morte – entre elas Zain-ul-Din, o zelador do templo, e Yaqoob, adolescente que trabalhava em uma loja próxima do local e aparece no vídeo apedrejando a jovem.

Os pais do adolescente condenaram o linchamento e disseram que o filho era um jovem que “perdeu o controle devido ao fervor religioso”.

“Se eu estivesse lá, talvez eu tivesse dito a ele que não fizesse aquilo. (…) Mas, ainda assim, se há mil pessoas falando algo, você acaba ficando emotivo”, disse o pai, Mohammad Yasin.

Afegãos comuns
Um dos aspectos perturbadores é que os que mataram Farkhunda não eram extremistas religiosos – eram afegãos comuns.

Muitos que aparecem nos vídeos não usam roupas tradicionais, apenas jeans e camisetas. Yaqoob mesmo gostava de boxe e futebol.

“Os homens que atacaram Farkhunda eram, na maioria, aqueles que viveram em Cabul e cresceram durante o governo (do ex-presidente Hamid) Karzai. Aprenderam a usar jeans e parecer modernos, mas a mentalidade em relação à mulher não mudou”, disse Sahra Mosawi.

Rula Ghani, primeira-dama afegã, disse à BBC que todo afegão deveria ser obrigado a se perguntar a razão de tal ato ser possível no país.

“Acho que indica que a sociedade afegã está vivendo em um clima de violência há muitos e muitos anos, desde o início da guerra civil. Foi um alerta para todo afegão – para que eles se examinem e digam ‘tenho uma mãe, tenho uma irmã, tenho uma filha – quero que elas corram este risco toda vez que saírem à rua?’.”

Farkhunda foi declarada oficialmente como mártir, honra geralmente reservada apenas a soldados mortos. A rua onde ela foi morta foi rebatizada com seu nome.

Mas houve decepção entre os que protestaram gritando “Somos Farkhunda!” e esperavam que a morte da jovem mudasse o país.

Nenhuma nova lei foi criada para evitar a violência contra as mulheres.

No mês passado, a corte de apelações de Cabul revogou as sentenças de morte dos quatro homens em uma sessão a portas fechadas. Três foram condenados à 20 anos de prisão e Yaqoob, a dez.

Os 11 policiais presos já foram libertados sob fiança, segundo a Promotoria de Cabul. Najla Raheel, advogada da família de Farkhunda, disse que quatro foram absolvidos e todos já voltaram ao trabalho, no Ministério do Interior.

A história de Farkhunda destaca, entre outras coisas, um clima generalizado de misoginia na sociedade afegã.

E, apesar da resposta à morte dela ter mostrado que há afegãos que querem mudança, ativistas dizem que avanços reais podem levar pelo menos uma geração.

“Temos que continuar lutando para melhorar as coisas. Pois, no fim, este país tem que ser melhor do que isso”, disse Sahra Mosawi.

http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/08/a-historia-da-mulher-brutalmente-morta-que-virou-martir-no-afeganistao.html