DAMASCO — Representantes curdos das áreas controladas pela etnia no Norte da Síria anunciaram a criação de uma unidade federal curda na região. Após cinco anos de guerra civil no país, os curdos ampliaram os domínios territoriais e, embora já se previsse uma declaração de autonomia como a desta quinta-feira, o anúncio provocou a imediata reação tanto do governo em Damasco quanto da oposição rebelde. E ainda afeta as negociações de paz apoiadas pela ONU, das quais os curdos não participam.
— O sistema federal foi aprovado pela região Rojava (Curdistão sírio), no Norte da Síria — discursou Sihanouk Dibo, dirigente do Partido da União Democrática (PYD), principal grupo curdo sírio.
Rojava é uma palavra curda que se refere aos três enclaves curdos na Síria: Jazira, Kobani e Afrin. A unificação das três áreas, além das outras recém-conquistadas pelas forças curdas, representaria um passo a mais em direção à autodeterminação.
Imediatamente, o Ministério das Relações Exteriores em Damasco fez advertências a “qualquer parte que tenha a intenção de atentar contra a unidade do território e do povo sírio”. Quase ao mesmo tempo, a coalizão da oposição atacou em um comunicado “qualquer tentativa de formar entidades, regiões ou administrações que confisquem a vontade do povo sírio”.
— Qualquer anúncio deste tipo não tem valor legal e não terá qualquer impacto jurídico, político, social ou econômico, já que não reflete a vontade do povo sírio — afirmou uma fonte do ministério à agência de notícias estatal Sana.
EUA criticam iniciativa
A iniciativa curda também enfrenta forte resistência do governo da Turquia, já que a proclamada região federal curda na Síria fica na fronteira turca. Cerca de 17 milhões de curdos vivem na Turquia, totalizando cerca de 20% da população do país.
— (Os curdos) Não estão clamando por independência, mas por um sistema de Estado federal na Síria. Mas não está claro se serão capazes de se defenderem contra rebeldes, as forças de Damasco e a Turquia — ponderou ao GLOBO o professor Robert Riggs, pesquisador de História da Síria da Universidade de Bridgeport, nos EUA.
E mesmo recebendo treinamento e armas dos EUA, o que os ajudou a combater e fazer recuar os jihadistas do Estado Islâmico (EI), os curdos também foram repreendidos por Washington.
— Não apoiamos zonas semiautônomas e autogovernadas dentro da Síria — afirmou o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, John Kirby.
O enviado da ONU para a Síria, Staffan de Mistura, que conduz as negociações de paz em Genebra, também é contrário a partilhas territoriais:
— Todos os sírios rejeitam a divisão da Síria. Um federalismo pode ser discutido.
O professor Riggs critica o processo de paz, na forma como está sendo encaminhado.
— É grave a falta de envolvimento curdo na negociação sobre a Síria. Como pode haver uma solução política justa e equitativa se um dos principais atores não foi incluído? E parece que os curdos têm amplo apoio popular em seus territórios.
Os curdos controlam 14% do território da Síria. E afirmam que o projeto federal tem representantes da população árabe e de outras minorias.
— Resulta de discussões com árabes e assírios, chechenos, armênios, turcos. Rojava é um caso especial: não é o que foi feito no Curdistão iraquiano — explicou Nawaf Khalil, ex-membro do PYD.
Enquanto isso, em Moscou, o comandante da Força Aérea disse que a retirada da maior parte dos militares russos da Síria deve ser concluída em até três dias. Entretanto, o presidente Vladimir Putin declarou que continua apoiando o governo Assad e que pode voltar a fortalecer a presença militar na região em questão de horas.
O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, classificou como genocídio a violência cometida pelo EI contra minorias religiosas:
— Na minha opinião, o Daesh (acrônimo árabe do EI) é responsável pelo genocídio contra grupos como yazidis, cristãos e xiitas.
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