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Berlim sofre para acomodar imigrantes

Cortes de orçamento e crescimento da população afetam recursos da capital.

BERLIM, Alemanha — Em um trecho de calçada da capital alemã, famílias de imigrantes se amontoam sobre os cobertores, todas de olho em um portão alto de metal. Atendentes de colete amarelo vivo distribuem copos de chá para espantar o frio. Além do portão, no pátio de um complexo de prédios imponentes de um bairro badalado, está a versão alemã de Ellis Island, nos EUA, um posto de checagem para centenas de recém-chegados que se reúnem antes do raiar do dia para entregar seus pedidos de asilo. Muitos esperam mais de oito horas, diariamente, só para serem informados de que terão que retornar no dia seguinte.

“Sempre dizem ‘amanhã'”, lamenta Ezzat Aswam, 33 anos, de pé, no frio da madrugada, ao lado da filha de seis anos e do filho de oito. A família chegou à Alemanha há quatro meses.

O pátio também se tornou o símbolo da luta do país para impor alguma ordem na onda tumultuada de gente que chega às suas fronteiras diariamente: foram 758 mil nos dez primeiros meses, sendo 181 mil só em outubro.

Em uma nação conhecida pela eficiência, a experiência de passar pela Agência Nacional de Saúde e Bem-Estar Social, conhecida pela sigla em alemão LAGESO, pode ser, no mínimo, surpreendente. Muitos imigrantes arriscaram a vida para chegar até aqui e, de repente, se veem tendo que esperar atrás de barras de ferro, em um pátio de terra, por um número que o levará para uma nova fila.

A cena vai de caótica a perigosa. Há pouco tempo, cerca de duas horas antes de o centro abrir, uma ambulância teve que abrir caminho entre as dezenas de estrangeiros que se protegiam da friagem como podiam porque um homem tinha desmaiado e não se sabe se de frio ou de cansaço.

Policiais foram arregimentados para dar apoio aos seguranças depois que vários imigrantes se machucaram tentando entrar à força. E os boatos de que eles aceitam propina pipocam com insistência.

E foi daqui que um garotinho de quatro anos, da Bósnia, desapareceu em outubro – levado, segundo as autoridades, por um homem que confessou tê-lo sequestrado e matado. O menino e sua família, aliás, não estavam entre os milhares de imigrantes que chegaram à Europa nos últimos meses; aguardavam o resultado dos requerimentos que tinham preenchido há dois anos. Agora é dada como certa sua permanência.

“Caramba, estamos falando da Alemanha. Os caras têm um sistema para tudo. Tem que ter um jeito mais fácil”, diz Yazan Smair, estudante de 31 anos que fugiu da Síria há vários meses e conseguiu visto para ficar no país. Hoje é intérprete voluntário na porta do centro.

A verdade é que, mais especificamente, estamos falando de Berlim, onde os cortes de orçamento e o crescimento da população já afetavam os recursos desde muito antes da chegada dos imigrantes do Afeganistão, Síria e outros lugares. O ex-prefeito Klaus Wowereit, querendo atrair os tipos mais criativos, descreve a cidade como “pobre, mas sexy”, o que não quer dizer muita coisa pela experiência dos estrangeiros.

Em outubro, o atual prefeito, Michael Mueller, tentou convencer os moradores de que a capital era financeiramente estável a ponto de suprir as necessidades de todos.

“Temos muitos problemas sociais na cidade, não posso negar. Há desemprego, há sem-teto, mas contamos também com vários serviços sociais para ajudar quem precisa. Isso é muito importante para mim”, afirmou ele na rádio estatal RBB.

Só que o cenário na agência mostra uma cidade que está no limite, se não sobrecarregada.

Aqueles que melhor conhecem a situação – os voluntários que doam seu tempo e energia para alimentar, vestir e aconselhar os recém-chegados – temem que a Prefeitura não consiga lhes garantir o bem-estar.

“Temos que trabalhar muito, e rápido, senão vamos começar a ver o pessoal morrendo de frio”, explica Victoria Baxter, da Moabit Hilft, organização formada em meados do ano para ajudar os estrangeiros que eram largados horas a fio nas filas, sem água, nem comida suficientes.

O papel de Berlim como cidade-refúgio dominou grande parte de sua história pós-guerra: a porção ocidental serviu como tábua de salvação em plena Alemanha Oriental para os que fugiam do comunismo, principalmente nos anos 60; para os tâmeis que fugiam da guerra civil no Sri Lanka, na década de 80, e para os pacifistas da Alemanha Ocidental que queriam evitar o serviço militar obrigatório.

Só que a Europa não via uma onda migratória dessa magnitude desde a Segunda Guerra Mundial. Em Berlim, cidade com 3,5 milhões, mais de 62 mil chegaram em busca de segurança este ano.

Em agosto, a cidade reservou 3 milhões de euros (US$3,2 milhões) para a integração dos refugiados, o que inclui verba para aulas de alemão, transporte e serviços médicos, além da contratação e treinamento de mais pessoas para o processo de triagem.

O antigo prédio de um banco estatal foi reformado e transformado em um centro de registro integrado, inaugurado em outubro. Ali, os estrangeiros podem dar entrada no pedido de visto, passar por exames médicos e, eventualmente, já falar com o pessoal da Secretaria do Trabalho sobre possíveis vagas.

As autoridades municipais dizem que o novo sistema permite o processamento de até 700 registros/dia, em comparação com pouco menos da metade desse número em meados do ano, quando o volume começou a crescer.

“O processo de seleção está funcionando com força total; tomamos medidas essenciais para melhorá-lo”, garante Mario Czaja, responsável pela saúde e serviços sociais da cidade, na Radio Eins, que é estatal.

Entretanto, quem quer dar entrada no pedido de asilo ou garantir benefícios sociais, ainda tem que passar pelo pátio para dar início ao processo. Só os que estão chegando agora, de meados de outubro até hoje, estão qualificados para se beneficiar do novo sistema, deixando um acúmulo de milhares de pessoas, como Aswam e sua família, esperando nas instalações antigas.

Em novembro, o departamento instituiu novas regras para tentar acabar com a aglomeração na porta do centro, incluindo a permissão para que uma única pessoa registrasse a família inteira e a priorização daqueles que estavam à espera há mais tempo.

O afegão Toryalay Jamshidi, de 18 anos, conta que esperou cinco dias e noites para adquirir a pulseira de plástico cinza necessária para embarcar no ônibus para o novo centro de processamento. E diz que, durante a espera, alternou entre dormir na rua e em um quartinho.

Como as temperaturas caíram abaixo de zero, às mulheres e crianças foi permitido aguardar nas barracas aquecidas, mas os voluntários ainda temem que muita gente fique de fora, sem ter onde dormir.

Olivia Mandeau há meses é voluntária no turno da noite e ajuda a distribuir cobertores e roupas quentes, além de organizar abrigo emergencial para os que estão na rua.

“Em nenhum outro lugar da Alemanha há esse problema; todas as outras cidades dão um jeito de arrumar um cantinho para o pessoal”, lamenta ela.

“A crise não é de refugiados, mas sim da administração”, conclui.

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/mundo/berlim-sofre-para-acomodar-imigrantes-18267314#ixzz3u8IKxBda

Europa prepara-se para duplicar o orçamento de resposta à crise dos refugiados

Eslováquia insiste em recusar a quota de refugiados que lhe foi atribuída e ameaça levar a União Europeia a tribunal.

Os líderes dos Vinte e Oito reúnem-se esta quarta-feira em Bruxelas para tentarem dar uma primeira resposta unificada à maior vaga de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, embora ainda sejam evidentes as divisões entre Estados-membros sobre a melhor linha de acção.

Para além do contestado sistema de quotas para a distribuição de refugiados pela União Europeia, a Cimeira de Líderes vai discutir um pacote de milhares de milhões de euros para os países europeus da linha da frente do fluxo migratório, vizinhos de fora da Europa com um grande encargo de refugiados e ainda linhas de apoio humanitário. Está em causa, como afirmou o presidente da Comissão Europeia antes do início do encontro, “quase o dobro dos recursos para atacar a crise de refugiados”: de 4600 milhões de euros para 9500 milhões.

Jean-Claude Juncker propõe um fundo de emergência de 100 milhões de euros para os Estados-membro mais afectados pela passagem de refugiados, outro de 600 milhões de euros para agência europeias de fronteira, a accionar em 2016, e mais 200 milhões de euros, já este ano, destinados ao Programa Alimentar Mundial.

Os líderes dos Vinte e Oito vão ainda discutir o envio de 700 milhões de euros para a Sérvia e Macedónia e para a Turquia, que alberga cerca de 2,2 milhões de refugiados, um montante que pode chegar aos 1000 milhões de euros. Valores avançados pelo diário britânico Guardian.

Não se espera uma Cimeira de Líderes pacífica. Na terça-feira, quatro Estados-membro votaram contra o plano de distribuição de 120 mil refugiados da Grécia e Itália, dois dos países mais afectados. Destes quatro votos negativos, apenas a Eslováquia insistia nesta quarta-feira em não aceitar a fatia de 802 pessoas que lhe foi atrikbuída. O primeiro-ministro eslovaco disse nesta quarta-feira que não só vai ignorar o sistema de quotas como apresentará também uma queixa no Tribunal de Justiça da União Europeia, no Luxemburgo, por considerar que a soberania do seu país não foi respeitada.

“Vamos seguir em duas direcções: a primeira, apresentar uma queixa no tribunal de Luxemburgo… a segunda, não implementar [o acordo] dos ministros do Interior”, disse Robert Fico, ainda durante a manhã, a horas de começar o encontro dos Vinte e Oito.

República Checa, Hungria e Roménia, os outros três votos contrários, admitiram já que não vão desafiar a vontade dos outros Estados-membro na Cimeira de Líderes. Fazem-no relutantemente e podem aproveitar o encontro desta quarta-feira para se fazerem ouvir. As principais críticas vindas destes países do Centro da Europa dirigem-se aos países mais ricos do Norte, a quem acusam de provocar grandes fluxos migratórios com as suas políticas mais inclusivas.

Uma das principais figuras da resposta autoritária na Europa à chegada de refugiados é o primeiro-ministro húngaro, Victor Orbán. A Hungria está a construir várias vedações nas suas fronteiras, primeiro com a Sérvia e agora com a Croácia. Isto para além de ter criminalizado a imigração ilegal e de ter concedido esta semana mais poderes ao exército para travar o caminho de quem tenta entrar irregularmente no país.

Antes de seguir para Bruxelas, Orbán esteve na Alemanha, a quem acusou de “imperialismo moral” e a quem pediu mais autonomia para a política de migração húngara. “Mesmo que a Alemanha decida aceitar a migração em massa, por favor não faça com que o mesmo seja obrigatório para os outros”, disse.

Bruxelas vai também discutir novas medidas de registo para quem chega irregularmente à Europa, como sistemas para a recolha de impressões digitais, por exemplo, e sistemas mais rápidos de documentação de refugiados e migrantes. Mais do que isto, segundo escreve a Reuters, Grécia e Itália devem ouvir dos seus parceiros pedidos para que restrinjam o movimento para a Europa de quem chega pelo Mediterrâneo.

A oposição eslovaca

O que a Eslováquia rejeita é um modelo de distribuição voluntária de refugiados, que substituiu, no início da semana, um primeiro formato, esse obrigatório. Mas há ambiguidades. A União Europeia funciona por tratados, que são vinculativos mesmo para quem votou contra eles. A decisão da maioria dos ministros europeus, que se espera que seja aprovada nesta quarta-feira, aplica-se por isso aos quatro países que votaram contra. Em todo o caso, não estão previstas sanções para os Estados-membro que não cumpram a sua quota.

http://www.publico.pt/mundo/noticia/eslovaquia-quer-por-uniao-europeia-em-tribunal-por-impor-quotas-de-refugiados-1708734