Mohammed Khorchide afirma que jovens radicais interpretam apenas trechos violentos
BERLIM – “Estamos em uma guerra”, afirmou Mohammed Khorchide, professor de Teologia Muçulmana na Universidade de Münster, na Alemanha. Palestino nascido no Líbano, ele foi para a Europa como refugiado e revolucionou a análise do Alcorão. Por isso, é alvo de ameaças e vive sob proteção policial. Em entrevista ao GLOBO, Khorchide afirmou que um dos motivos da “guerra” é a “ocidentofobia”, a tendência no mundo islâmico de considerar o Ocidente culpado de todas as mazelas que sofrem, motivando os jovens a praticar atentados.
Na sua opinião, os jihadistas transferiram a sua frente de batalha do Oriente Médio para a Europa?
Há muito tempo a Europa está no alvo dos jihadistas do Estado Islâmico (EI). Estamos em uma guerra que é motivada, do ponto de vista dos islamistas, pela mania de ver o Ocidente como o culpado de tudo. Isso termina alimentando um forte ódio. Trata-se do que chamo “ocidentofobia”, que é pior do que a islamofobia, porque eles vão até as últimas consequências.
O EI mandou muitos combatentes para a Europa disfarçados de refugiados?
O EI usa duas fontes para executar os seus ataques na Europa. Além de mandar homens treinados, muitos disfarçados de refugiados, recruta jovens das minorias muçulmanas que já vivem na Europa. Este último método também é fácil, levando em consideração os jovens que crescem com poucas chances de ascensão social nos guetos europeus. Agora, os jihadistas ampliaram sua estratégia e ameaçam as grandes cidades pela internet. O número de ataques aumentou nos últimos dois anos.
Devemos contar com novos atentados, inclusive após as últimas derrotas do EI na Síria?
Toda a Europa pode ser vítima porque o ódio é contra o continente. Trata-se de uma guerra, mas um combate estritamente militar não adianta. Os governos europeus deveriam investir mais para integrar as suas minorias muçulmanas. Jovens integrados e bem sucedidos são menos vulneráveis às pregações de ódio.
Os pregadores de ódio — imãs muçulmanos que recrutam novos adeptos para a jihad — tiram suas mensagens do Alcorão?
Todo o componente ideológico dos jihadistas vem do Alcorão. Este precisa ser reformado e atualizado, um processo que ocorreu também com outras religiões. Uma minoria dos 6.236 versos do Alcorão fala sobre violência e guerra. Infelizmente, esta parte é usada pelo EI. Sua estratégia é espalhar que eles são perseguidos porque são muçulmanos, e isso aumenta ainda mais o potencial de ódio. E motiva os jovens jihadistas a praticar atentados.
Por que a religião atrai tanto os jovens muçulmanos, inclusive os que vivem na Europa, enquanto o cristianismo perde cada vez mais devotos?
Talvez por uma questão de identificação e pelo mesmo aspecto da ocidentofobia. O problema não é se o jovem muçulmano lê ou não o Alcorão, e sim como encara a parte que fala sobre a violência. Trata-se de um livro de 1.400 anos que vigorou sobretudo em regimes ditatoriais, que deram pouca chance de reinterpretação. O Alcorão se torna um problema quando é lido sem levar em consideração o contexto histórico. Este é o problema do jihadismo.
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