Crianças sírias refugiadas, de até três anos, estão sendo exploradas para o trabalho infantil por fazendeiros e companhias na Jordânia, segundo declarações de ativistas baseados na capital do país, Amã, à BBC.
Tamkeen, uma organização de caridade voltada ao desenvolvimento infantil em Amã, alega que suas investigações descobriram estas crianças trabalhando junto com os pais e irmãos em fazendas perto do Mar Morto.
De acordo com a organização, a exploração do trabalho infantil é comum na Jordânia. Os ativistas estimam que cerca de 46% dos meninos refugiados sírios e 14% das meninas, com 14 anos ou mais estão trabalhando mais de 44 horas por semana. A maioridade legal na Jordânia é apenas aos 16 anos.
Desespero explorado
Diala al-Amiri, diretora executiva da Tamkeen, disse à BBC que empresas do país estão explorando o desespero das famílias de refugiados sírios.
“Crianças sírias refugiadas são encontradas trabalhando em restaurantes, supermercados e este tipo de serviço. E também no setor de agricultura”, afirmou.
“O problema com o setor agrícola é que as crianças trabalham por muito tempo em condições muito ruins, no sol.”
“Algumas delas trabalham sem ganhar nenhum dinheiro. Elas trabalham apenas para (conseguir) abrigo – uma família inteira, mãe, pai com cinco ou seis filhos. O mais velho tem 13 anos e há crianças de três anos (trabalhando) no setor agrícola”, acrescentou.
A reportagem da BBC conversou com um menino de 14 anos, Yassan, que trabalha como faxineiro em uma empresa importante na cidade de Irbid, norte do país. Ele trabalha pelo menos 12 horas por dia, sete dias por semana.
Yassan ganha apenas meio dinar jordaniano por hora, o equivalente a cerca de R$ 2,6 – menos de US$ 1.
“Trabalho 12 horas por dia, todo dia. É um trabalho muito pesado. Você não tem um dia de folga a não ser que peça. E eles (a empresa) não te pagam”, disse Yassan.
Após a repercussão internacional sobre más condições de trabalho para imigrantes nas obras da Copa do Mundo de 2022, o governo do Catar decidiu convidar jornalistas para visitar o país e conhecer as novas acomodações onde os operários estariam morando.
A BBC foi ao país para participar da visita oficial guiada por autoridades catarianas, mas também foi atrás de outras fontes de informação para a reportagem. Em uma das idas a campo para conversar com trabalhadores em outro local – que não o indicado pelo governo –, a equipe com o repórter Mark Lobel, um câmera, e um tradutor acabou detida.
Oito carros brancos cercaram o veículo de reportagem da BBC, levando a equipe em alta velocidade para um canto da estrada. Cerca de uma dúzia de seguranças revistaram os jornalistas, gritando com eles toda vez que tentavam falar. Eles levaram todo o equipamento que estava com a equipe.
Mais tarde, na delegacia, os três foram interrogados separadamente por agentes de Inteligência. Eles perguntavam várias vezes com quem os jornalistas teriam conversado. As autoridades disseram que a prisão deles era uma questão de “segurança nacional” e não permitiram que a equipe fizesse nenhuma ligação. “Aqui não é a Disneylândia. Vocês não podem usar a câmera em qualquer lugar”, disse um dos policiais.
Os seguranças estavam acompanhando tudo o que a BBC fazia no Catar e chegaram a mostrar fotos da equipe entrevistando pessoas e visitando acomodações dos operários imigrantes no país. Depois, os policiais levaram os jornalistas à prisão, onde eles ficaram por dois dias – as autoridades chegaram a ameaçar deixá-los lá por quatro dias, para “ensinar-lhes uma lição”.
Liberada, a equipe da BBC ainda foi levada para se juntar ao tour de imprensa preparado pelo governo catariano. As autoridades não mantiveram nenhuma acusação contra os jornalistas, mas ainda não devolveram o equipamento confiscado.
Problema recorrente
Outras equipes de jornalismo também já passaram por situações similares à que a BBC viveu na última semana no Catar. Uma TV alemã também foi detida enquanto fazia reportagem sobre as más condições de trabalho de imigrantes no país.
Governo do Catar alega que repercussão sobre condições de trabalho nas obras da Copa foi exagerada e que está fiscalizando e punindo empresas denunciadas
Segundo Mustafa Qadri, pesquisador dos direitos de imigrantes na Anistia Internacional, as prisões de jornalistas e ativistas podem ser uma tentativa de “intimidar aqueles que procuram expor os abusos de trabalho no Catar”.
O Catar, país mais rico do mundo proporcionalmente à sua população de pouco mais de 2 milhões de pessoas, está despejando dinheiro em uma tentativa de melhorar sua reputação de permitir condições precárias de trabalho para trabalhadores pouco qualificados.
Resposta do governo
O Catar já se manifestou sobre o que aconteceu com a equipe da BBC e alegou que os jornalistas “violaram propriedades privadas, algo que é contra a lei no Catar e em muitos outros países.”
“Talvez antecipando que o governo não iria fornecer esse tipo de acesso, a equipe da BBC decidiu por si fazer suas próprias visitas a campo e entrevistas nos dias que antecederam o tour planejado pelo governo. Fazendo isso, eles violaram propriedades privadas, algo que é contra lei no Catar. Forças de segurança foram chamadas, e a equipe da BBC foi detida”, explicou o governo do Catar por meio de nota.
A BBC respondeu ainda pedindo que o equipamento apreendido fosse devolvido. “A presença da BBC no Catar não era secreta e eles estavam focados em uma reportagem perfeitamente apropriada para o jornalismo. As autoridades do Catar fizeram uma série de alegações conflituosas para justificar a prisão, e a equipe da BBC rejeita todas elas. Estamos pressionando as autoridades do Catar para uma explicação completa e para o retorno do nosso equipamento confiscado.”
A Fifa também se manifestou dizendo que vai investigar o que aconteceu e que “qualquer incidente relacionado a uma aparente restrição de liberdade de imprensa é motivo de preocupação para a Fifa e será investigado com a seriedade que merece.”
Condições de trabalho
A visita guiada pelo governo do Catar mostrou algumas vilas onde os operários imigrantes das obras da Copa vivem no país. Lugares grandes, com piscinas, academias, e outros serviços. Mas a BBC também conversou com pessoas que vivem em outros lugares bem diferentes. Quartos apertados, com poucas condições de higiene, onde os trabalhadores acabam vivendo por falta de opção.
Um deles tinha 18 anos apenas e disse que queria ajudar seu irmão mais velho a sustentar a família, porque o pai tinha morrido, e a situação financeira deles era crítica. Ele é do Nepal, de onde saíram quase 400 mil trabalhadores com destino ao Catar.
Denúncias apontam que condições de algumas acomodações de imigrantes estão abaixo do padrão exigido
O nepalês pagou US$ 600 a uma agência para conseguir o visto para trabalhar no Catar e ouviu que receberia US$ 300 por mês pelo trabalho. Quando ele chegou, porém, recebeu a notícia de que o trabalho lhe renderia quase metade disso, US$ 165 por mês. Ele conta que nunca recebeu uma cópia do contrato que assinou e que não conseguiu entender o que estava escrito nele, já que tudo estava em inglês.
Ele agora está à mercê do sistema de trabalho restritivo do Catar, que impede os trabalhadores de mudarem de emprego por cinco anos.
Ministro do Trabalho do Catar garante que país fez avanço no combate a condições precárias de trabalho dos imigrantes
O Ministro do Trabalho, Abdullah al-Khulaifi, recebeu a BBC para falar sobre o problema em seu país, mas disse que “o Catar sempre foi um país aberto e sempre será.”
“Não posso esconder os problemas que eu estou enfrentando. Mas o Catar é um país aberto e agora com smartphones, todo mundo é jornalista”, afirmou.
Segundo ele, a cobertura negativa sobre as condições de trabalho dos imigrantes foi exagerada. Ele afirma que muito progresso foi feito desde então para melhorar essas condições.
Ainda de acordo com al-Khulaifi, o governo aumentou a fiscalização para impedir empresas de pagarem muito pouco aos funcionários e tem distribuído multas a quem viola os direitos de trabalho do país.