Por Andréa Fernandes
Na semana passada houve uma notícia que em outros tempos deveria ser, em tese, a pólvora necessária para explosão nas redes da revolta de grupos feministas e seus coletivos do ódio. A Associação dos Magistrados do Brasil (AMBI) ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) em face da lei que autoriza as autoridades policiais a concederem medidas protetivas de urgência às mulheres agredidas.
A Lei nº 13.827/2019, que altera a Lei Maria da Penha ( Lei nº 11.340/2006), sendo originária do Projeto de Lei da Câmara 94/2018, aprovado no Senado em abril, foi sancionada[1] pelo presidente Jair Bolsonaro e publicada no Diário Oficial da União na terça-feira próxima passada, mas não causou celebrações por parte das “vozes feministas” na grande mídia, apesar de ter o propósito de facilitar a aplicação de medidas protetivas de urgência para mulheres ou a seus dependentes em casos de violência doméstica ou familiar.
A lei, aprovada sem vetos, outorga mais poder a autoridades do Judiciário e policiais para adoção de medidas protetivas emergenciais. Desse modo, segundo o novo dispositivo legal, constatada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher, ou de seus dependentes, o agressor deverá ser imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima. O afastamento urgente deverá ser determinado pelo juiz, delegado de polícia (quando o município não for sede de comarca) ou pela autoridade policial (no caso do município não for sede de comarca e não houver delegacia disponível por ocasião da denúncia). Todavia, quando as medidas protetivas forem determinadas por delegado ou policial, o juiz deverá ser comunicado no prazo máximo de 24 horas e decidirá em igual prazo sobre a manutenção ou revisão da medida, comunicando sua decisão ao Ministério Público, além do que, a norma que já está em vigor, dispõe que o juiz competente determinará o registro da medida protetiva de urgência em banco de dados mantido e regulado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNN), o qual será acessado pelo Ministério Público, Defensoria Pública, órgãos de segurança pública e assistência social[2].
O texto também prevê que os criminosos não devem ter liberdade concedida enquanto perdurar o risco à vítima ou à efetividade da medida protetiva.
A lei anterior estabelecia um prazo de 48 horas para que a autoridade policial comunicasse o juiz sobre as agressões sofridas pela vítima para que o mesmo decidisse sobre as medidas protetivas, mas a real aplicação das medidas protetivas demandava tempo que poderia resultar em fatalidade, pois a decisão judicial só entraria em vigor após o criminoso ser localizado e intimado por oficial de justiça[3].
Contudo, a Associação dos Magistrados Brasileiros ao ingressar com Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF há uma semana (13/05), alega que a mudança fere o Princípio da Reserva de Jurisdição, violando os incisos XI e LIV, do art. 5º da Constituição Federal, partindo do pressuposto que “não se pode cogitar a possibilidade de um delegado ou policial interferir na casa de alguém sem ordem judicial para tanto, ainda que para retirar o agressor, privando-o de liberdade, antes do devido processo legal. A lei não pode conter tal autorização porque a Constituição estabeleceu as exceções nela previstas de flagrane delito, desastre ou autorização judicial”[4].
Segundo o teor da ADI, a nova lei institucionaliza o “Estado policialesco” e o “desvirtuamento do Estado Democrático de Direito”, e o patrono da Associação de Magistrados ainda usou a recorrente estratégia de “especulação” para alcançar êxito na demanda judicial, ao afirmar:
“Ocorre que a maioria dos casos de violência à mulher – pelo que pode se ver das informações jornalísticas e que poderão ser objeto, para verificação, de diligência desse STF ou até de audiência pública – têm se verificado nas grandes cidades, onde o Poder Judiciário está presente, e não decorrem de ausência ou insuficiência da prestação jurisdicional”.
Trocando em miúdos a “audácia” da entidade representante do nosso querido Judiciário: não cabe, no caso em tela, a configuração do princípio processual básico do “ônus da prova cabe a quem alega o fato”. Juízes, quando integram a autoria de ação, podem delegar ao Judiciário a obrigação que seria sua, e por isso, a associação lança para as costas do STF a atribuição de “checar” a veracidade do seu argumento de que supostamente a maioria dos casos de violência contra mulher ocorreriam nas grandes cidades, onde presume-se que o Poder Judiciário estaria presente, pelo menos no sentido de “estrutura predial”. Aliás, se não “interessar” ao STF verificar a autenticidade do argumento, basta ratificá-lo.
A associação não juntou à sua peça inaugural um documento sequer mostrando as tais “informações jornalísticas” comprovando sua tese, que talvez não mereça ser “confrontada” por advir de “julgadores” preocupados com os “direitos constitucionais” dos “agressores machistas” que promovem violência contra as mulheres. Inclusive, peço “licença” para a contaminação pelo “vírus do feminísmo” ao não reconhecer temporária e metaforicamente que a Constituição deve ser obedecida, ainda que o seu teor privilegie, nesse caso, os “direitos” de perigosos criminosos, muito embora, saibamos que não faltam exemplos demonstrando que o STF “não está nem aí” para a observância da boa prática do Direito e respeito ao ordenamento jurídico, pelo que, quatro dos seus ministros[5] acataram a aberração de punição da homofobia com base na lei para o racismo[6]. Nesse caso, a chamada “analogia” entrou em cena única e exclusivamente por atender a “agenda progressista”, que via de regra, está acima dos reclames constitucionais, doutrinários e/ou jurisprudenciais.
Entrementes, é notório nessa ADI que o intuito da Associação de Magistrados é demonstrar com base em simples conjectura, que não haveria “prejuízo” para as mulheres que diariamente sofrem violência doméstica, ainda que estejamos cansados de assistir notícias alarmantes de agressão e “feminicídio”, cujos índices vêm crescendo de maneira avassaladora.
Daí, cumpre indagar, só por uma questão de “amor ao debate”: como pode a Associação de juízes acreditar na falácia de que seria possível levantar dados precisos sobre a identificação dos aludidos crimes contra as mulheres supostamente noticiados pela imprensa se a mesma informa que não há certeza nem mesmo do número verdadeiro de casos de violência contra a mulher, uma vez que pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgada em fevereiro mostrou que no estado de São Paulo apenas 10% das mulheres que foram vítimas de alguma agressão procuraram a delegacia[7]? Ou seja, nem mesmo nos estados com suposta estrutura para registro e informação, não há como precisar números desse tipo de violência. Ademais, tem um agravante: a princípio, para algumas autoridades, o feminicídio não seria subnotificado, porém, os crimes anteriores ao assassinato das mulheres, sim! Logo, até mesmo no estado de São Paulo, há subnotificações no tocante à violência contra a mulher.
Outrossim, percebe-se que o nobre advogado da Associação de Magistrados não fez leituras acerca do tema. Se o fizesse, saberia que pesquisa divulgada pela FAPESP[8] aponta que:
“Mais da metade das mulheres vítimas de abusos e agressões não denuncia seus algozes, possivelmente, porque são desencorajadas ou mal atendidas nas delegacias e serviços públicos de saúde. A conclusão consta da segunda edição do relatório “Visível e invisível: A vitimização de mulheres no Brasil”, divulgado em fevereiro pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em parceria com o DataFolha(…). Quase metade das mulheres continua sendo vítima de violência dentro de casa. Das que decidiram seguir em frente e denunciar seus agressores, apenas 22,2% procuraram um órgão oficial, como a Delegacia da Mulher. As outras 29,6% preferiram recorrer à ajuda da família, de amigos ou da igreja”.
Ué, por que será que na pesquisa acima referenciada não consta alusão a nenhum MOVIMENTO FEMINISTA ou COLETIVO prestando socorro às mulheres vítimas de violência? Ao que parece, o “sistema patriarcal religioso” vem sendo mais útil na tentativa de amparo às vítimas da violência doméstica.
Cabe ressaltar que são muitos os dados que devem ser averiguados para analisar se seria satisfatória a atuação do judiciário quanto a eficácia das medidas protetivas sob o comando da Lei Maria da Penha, caso a associação de magistrados tenha êxito na ADI. De fato, nem conhecemos ao certo, a natureza do fenômeno de “feminicídio” e a evolução das suas pernósticas garras nos últimos anos, uma vez que, conforme apurado pelo jornalista Daniel Sousa, somente a partir de outubro de 2016, o ISP (Instituto de Segurança Pública) passou a publicar, com periodicidade mensal, dados estatísticos referentes à incidência de feminicídio e tentativa de feminicídio. Antes dessa data, os registros eram todos como “violência contra a mulher” sem especificação, não se sabendo qual fenômeno caracterizaria a referida violência, o que mostra incipiência nas pesquisas sobre o tema.
Conforme dados divulgados pela OMS (Organização Mundial de Saúde), uma em cada quatro mulheres no mundo é vítima de violência doméstica e a Agência das Nações Unidas estima que no Brasil, as notificações violentas envolvendo mulheres tenham aumentado cerca de 230% nas últimas três décadas, o que por si só, demonstra a gravidade e urgência de medidas sérias para mudar esse caótico quadro. Porém, no “paraíso midiático das feministas”, ainda não houve real interesse de discutir seriamente os complexos aspectos que envolvem a violência contra a mulher e nem mesmo pressionar o Legislativo a trabalhar no sentido de promover medidas que protejam as vítimas da violência masculina.
Feministas estão caladas nas redes acerca do intuito da Associação de Magistrados de expurgar um instrumento de defesa dos direitos das mulheres via STF, que é discutível realmente do ponto de vista constitucional , mas poderia ser discutida “solução legal” e rápida para a pendenga judicial in casu. Contudo, é difícil acreditar que movimentos feministas, ou mesmo jornalistas e humanistas seletivos “movam uma palha” para dar visibilidade a questão num momento em que não se importaram de fato com a tramitação do projeto de lei que visa evitar que casos de violência contra a mulher deixem de ser notificados à polícia. De modo que, não houve alarde , os casos de suspeita ou confirmação de violência contra a mulher atendida em serviços públicos e privados.
Conclusão: no Brasil a “analogia judicialesca” não comporta os direitos das vítimas da violência contra as mulheres e as feministas “não têm peito” para defender as pautas que realmente importam para coibir o feminicídio e demais crimes contra a mulher. Assim, no país das narrativas do progressismo decadente, o feminismo continua “machista”.
Andréa Fernandes – advogada, jornalista, internacionalista e presidente da ONG Ecoando a Voz dos Mártires.
Daniel Sousa – jornalista e graduando de História.
Imagem: Diário do Litoral
[1] https://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2019/05/sancionada-proposta-que-facilita-medidas-de-protecao-as-mulheres
[2] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/05/14/publicada-lei-que-facilita-medidas-de-protecao-as-mulheres
[3]http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2019-05/lei-permite-medidas-emergenciais-mulheres-vitimas-de-violencia
[4] https://www.conjur.com.br/2019-mai-16/lei-autoriza-policial-conceder-medida-protetiva-questionada?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook
[5] https://oglobo.globo.com/sociedade/quatro-ministros-do-stf-votaram-pela-punicao-de-homofobia-com-lei-sobre-racismo-23470946
[6] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=403949
[7] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/02/26/violencia-contra-mulheres-praticada-por-vizinhos-cresce-uma-em-cada-cinco-relata-agressao-diz-datafolha.ghtml
[8] https://revistapesquisa.fapesp.br/2019/03/07/faces-da-violencia-domestica/