Ex-extremista, o egípcio Tawfik Hamid defende o livro sagrado e diz que menções, como bater em mulheres, devem ser repudiadas.
MADRI – Tawfik Hamid advoga pela modernização do Islã. Forma parte de um grupo de pensadores que pedem reformas para adaptar a religião muçulmana aos novos tempos e frear o radicalismo. Há 35 anos, em seu país de origem, o Egito, pertenceu a uma organização radical junto a Aiman al-Zawahiri, atual número um de al-Qaeda.
Essa experiência, conta em uma entrevista telefônica desde os Estados Unidos, onde vive agora, o fez compreender a ameaça que representa o extremismo para o mundo muçulmano.
O senhor propõe uma revisão do Alcorão? O que é preciso mudar?
O primeiro fator que temos que levar em conta é que não se pode apagar nem uma única letra do Alcorão. Isso colapsaria a religião por completo. O mais importante é contextualizá-lo. Por exemplo, acredito que quando Maomé diz que é preciso matar os infiéis, não se refere a todos os infiéis, senão alguns infiéis de seu tempo que cometeram determinadas barbaridades.
Em segundo lugar, em caso de contradição entre as partes pacíficas e violentas do Alcorão, é preciso priorizar sempre as pacíficas. Por último, é necessário tomar o Alcorão como fonte principal acima de tudo. No Alcorão não se fala da lapidação de mulheres, nem em matar os apóstatas.
Em outras ocasiões, o senhor disse disse que o Alcorão permite bater, mas não lapidar a mulher.
Tradicionalmente, foi interpretado assim. Existem outros versículos que dariam lugar a outras interpretações. Mentiria se afirmasse que não há aspectos conflitivos no Alcorão. Porque se não fosse isso, não teríamos esse problema. A questão é o que queremos fazer com isso.
Diante de tantas interpretações, o que deve fazer um muçulmano praticante?
Proponho que exija na sua mesquita o repúdio de certos pontos: o assassinatos de apóstatas; bater ou lapidar mulheres; matar os judeus ou chamá-los de porcos ou macacos; declarar guerra aos não muçulmanos e matar homossexuais. Se são verdadeiramente moderados eles repudiarão.
A mudança que propõe é realista?
Teoricamente sim, mas só será possível se a pessoa que está disposta a mudar as coisas se sentir respaldada. Somos muitos os que tentamos lançar mensagens, mas não temos apoio. Creio que cada vez mais muçulmanos estão dando conta dos problemas. Não digo que seja a tendência dominante. Mas algo se move nessa direção. Agora nos encontramos num ponto em que alguns querem avançar e outros retroceder. O que fazemos? Não é possível ter tudo. Temos que decidir.
Quem pode liderar essa reforma?
Não acredito que seja um tema de líderes. Os xiitas são mais hierárquicos, mas no mundo os sunitas não têm um líder, cada grupo pensa de forma independente.
Foto: Mulher segura o Corão diante da embaixada dinamarquesa, em Berlim. Protesto era contra charges de Maomé publicadas. – Reuters/11-2-2006