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Uma jovem Yazidi relata os estupros infernais cometidos pelo Estado Islâmico

Meninas Yazidis  foram “vendidas” por alguns maços de cigarros.

Citações de “Birvan” para Discussão sobre Shabaab (A Palavra para a Juventude), programa apresentado por Jaafar Abdul, 22 de março de 2016.

  • “Eles podiam vir e pegar qualquer garota sem pedir a opinião dela; se ela se recusava, eles tinham o direito de matá-la ali mesmo”
  • “Quem entrava no quarto e encontrava alguma do seu gosto poderia dizer ‘vamos lá’.”
  • “Havia 48 milicianos do Estado islâmico na casa e fomos duas meninas, duas meninas yazidis. “
  • “Que hospital? Bateram-me ainda mais mais!
  • “Eu não me importava de ser capturada. Fugir ou morrer era melhor do que ficar lá “.

Uma entrevista recente, realizada em árabe com uma jovem Yazidi, escrava sexual do Estado islâmico, foi transmitida em 22 de março de 2016 DW. A menina foi o convidada da “Discussão Shabaab” (A Palavra para a Juventude) liderada por Abdul Jaafar.

A menina que falou usando o pseudônimo Birvan, foi capturado com a idade de 15 anos e sofreu muitos meses de escravidão antes de conseguir escapar. Ela tem 17 anos hoje. Tudo o que se segue é uma síntese de sua entrevista na televisão:

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Mãe que se converteu ao islamismo e mudou-se para a Síria revela vida era ‘o oposto do que eles prometeram’

Uma mulher belga, que se converteu ao islamismo e mudou-se para a Síria depois de se apaixonar por um homem que ela conheceu em um supermercado, alertou outras mulheres para não cometer o mesmo erro. Laura Passoni, 30, voltou desiludida no ano passado, mas só recentemente se reuniu com seus filhos após um inquérito exaustivo feito por assistentes sociais belgas.

Ela estava trabalhando em um supermercado da cidade belga de Charleroi, quando ela conheceu seu futuro marido, Osama Rayan, que era de origem Tunisina.

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Laura Passoni (foto) levou seu filho de quatro anos para a Síria e também o filho mais novo, nascido do casamento com Osama.

Ela disse que só quando mudou-se para a Síria que entendeu que as promessas do ISIS foram falsas. Laura disse: “não fui forçada a se tornar um muçulmano, eu estava convencido. Você só se lavou, como tentar enfrentar uma queda de água.”

Ela disse que ela caiu se apaixonou por Osama e concordou em voltar com ele para a Tunísia e eventualmente para a Síria. “Decidi que queria fugir quando percebi que havia um risco muito real de meu filho tornar-se um terrorista” Laura Passoni viviam em Bab-al, perto da cidade de Aleppo, entre 2014 e de 2015 de março.

Ela disse: “Eu fui lá por vontade própria e voluntariamente, me converti para ser uma muçulmana e então eu estava radicalizada e me convenci de que o era apenas o califado o lugar para mim e minha família para viver. Quando eu cheguei lá, porém, eu descobri o significado do terror.”

Ela disse que tinha que ficar confinada dentro de casa e tudo que ela podia fazer era a limpar e cozinhar e só estava autorizada a sair quando ela estava vestida em uma burca e com seu marido.

Laura levou seu filho de quatro anos de um relacionamento anterior, e também  o filho que ela teve com seu novo marido. Ela retornou à Bélgica em março de 2015 e passou por inquéritos policiais e serviços sociais antes de finalmente estar reunida com seus filhos.

Falando sobre a vida sob ISIS, ela disse: “não havia nenhum imposto a pagar, cuidados de saúde eram livres e eles usavam um monte de medicina alternativa, curas nunca vistas nos cuidados de saúde europeu. Mas mesmo assim, a vida lá era muito cara, e o dinheiro não era suficiente.”

Ela disse que ela nunca foi tratada de forma violenta, mas ela se sentia como uma prisioneira. Passoni disse: “eu estava proibido de fazer tudo, só tive que cuidar da casa e dos filhos. Eu não podia sair de casa ou usar a internet sem a presença de um homem”.

“Comecei a ficar com  muito medo de que eles podiam tirar meus filhos. Foi exatamente o oposto de o que prometeram na propaganda do califado. Decidi que queria fugir quando percebi que havia um risco muito real de meu filho pode acabar sendo um terrorista. “

Ela conseguiu um celular e foi capaz de se comunicar secretamente com seus pais, Pascal e Antoinette, por mensagem de texto. Ela conseguiu escapar, pela Turquia, mas se recusou a dar detalhes por medo de colocar os outros em perigo.

Alguns relatos da imprensa belga sugerem que houve uma negociação entre as autoridades de Bruxelas e jihadistas na Turquia, que atuou como intermediários.

Depois de retornar da Síria ela foi presa pela polícia, mas quando ela mostrou que seu remorso era genuíno ela recebeu liberdade condicional  de cinco anos de e foi multado em 15.000 euros. Ela também foi proibida de usar todas as redes de mídia social.

Assistentes sociais belgas tomaram seus filhos durante três meses, antes de eventualmente entregá-los aos seus avós. Ela disse:  “Eu aceito a punição. Para ser honesta, foi um alívio em comparação com o inferno que eu passei na Síria.”

Agora ela é capaz de ver os filhos novamente. A senhora Passoni agora está fazendo campanha contra ISIS e ela recentemente dirigiu uma reunião pública no distrito de Molenbeek em Bruxelas quando ela disse: “meu conselho para as mulheres jovens é se você está considerando fazer  isso, NÃO FAÇA.”

‘Estupraram minha mãe e nos venderam’: norte-coreana relata dramática fuga pelo deserto aos 13 anos

Yeonmi Park fugiu da Coreia do Norte quando tinha apenas 13 anos.

Ela teve que atravessar desertos e rios gelados, e chegou a ser vendida por traficantes de pessoas na China.

Park, que hoje vive e estuda nos EUA, contou à BBC sobre a experiência, há quase uma década, e os motivos da fuga de um dos países mais fechados do mundo.

“Escapei em 2007 com minha mãe, atravessando um rio gelado e sob risco de sermos baleadas.

Quando estava na Coreia do Norte, a única coisa que queria era ter algo para comer. Não havia como sobreviver lá. Por sorte eu vivia na fronteira, via as luzes no lado chinês e pensava que poderia encontrar comida se chegasse à China.

Não tínhamos internet na Coreia do Norte. Há apenas um canal de TV e não há revistas.

Minha mãe e eu não sabíamos o que encontraríamos ao fugir. Cruzamos o rio gelado e caímos nas mãos de traficantes de pessoas na China.

Após a travessia estupraram minha mãe na minha frente. Fomos separadas e vendidas a dois fazendeiros chineses.

Image captionYeonmi cresceu no norte da Coreia do Norte; ela via as luzes do lado chinês da fronteira e sonhava com comida.

Venderam minha mãe por US$ 55 (cerca de R$ 200), e pagaram US$ 200 (R$ 722) por mim.

Isso é muito comum. Quando norte-coreanos fogem para a China, o governo chinês não nos considera refugiados e não nos ajuda a chegar à Coreia do Sul.

Em vez disso, costumam nos capturar e devolver ao regime norte-coreano, apesar de saber que seremos castigadas ou executadas.

Por isso, quem escapa da Coreia do Norte fica muito vulnerável – os chineses sabem disso e se aproveitam.

Quando fui vendida ao fazendeiro e me separaram da minha mãe, tentei o suicídio. Mas o fazendeiro disse que se virasse sua amante ele faria com que me reeencontrasse com minha mãe e traria meu pai da Coreia do Norte.

E ele cumpriu a promessa.

Após um tempo fui da China à Mongólia, atravessando o deserto de Gobi, e finalmente cheguei à Coreia do Sul.

Depois de cinco anos lá, vim há pouco tempo para os Estados Unidos, onde estou estudando na Universidade de Columbia, em Nova York.

Image captionA norte-coreana hoje vive e estuda nos EUA.

Gostaria de voltar a meu país algum dia, mas isso não quer dizer que sinta falta do regime ou do sistema.

“Lavagem cerebral”

Cresci no norte da Coreia do Norte. Meu pai foi preso por trabalhar no mercado negro, por isso tive que me mudar para a região central do país e conheci Pyongyang.

Fui à escola por vários anos e só sabia da existência de poucos países no mundo. Nunca havia ouvido falar da internet.

Tudo o que sabia era sobre os “malditos americanos”. Assim eram chamados.

Tentam lavar seu cérebro a todo momento. Tinha a imagem dos “malditos americanos” com narizes muitos grandes e olhos azuis, verdadeiros monstros.

Nunca soube que a Coreia do Sul era um país livre. Pensava que havia sido colonizado pelos EUA e que os soldados americanos estupravam mulheres e crianças, matavam pessoas.

Pensava que era o pior lugar do mundo.

Amor proibido

O ponto de virada na minha vida foi quando vi o filme Titanic. Jamais tinha visto nada parecido, porque histórias de amor não são vistas na Coreia do Norte.

O amor é considerado algo vergonhoso lá, nunca falamos sobre isso.

Image captionYeonmi publicou recentemente um livro sobre sua experiência chamado “In Order to Live”.

Não há músicas, filmes ou novelas sobre o amor. Por isso, quando viTitanic, não acreditei que alguém pudesse ter feito um filme sobre algo tão vergonhoso como o amor, e como alguém poderia morrer por amor, e não pelo regime.

Isso foi uma revolução na minha vida, deu-me uma primeira ideia sobre a liberdade.

Na Coreia do Norte sabemos que os americanos são mais ricos do que nós, mas como no livro 1984 de George Orwell, as pessoas nas ruas continuam achando que vivem no melhor país do mundo.

Esse livro explica tudo o que aconteceu comigo sob o ponto de vista psicológico.

Quando (o líder norte-coreano) Kim Jong-il morreu (em 2011), eu morava na Coreia do Sul com minha mãe e não conseguíamos acreditar.

Minha mãe disse: ‘como pode ser que Deus morreu?’ E vivíamos na Coreia do Sul!

Na Coreia do Norte não acreditam que ele tenha morrido. Estão certos que seu espírito vive entre nós, como Jesus, e que ele lê mentes e sabe tudo o que fazemos, como no filme O Show de Truman.”

http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/03/160321_coreianorte_fuga_tg

 

Vídeo secreto gravado por mulheres revela vida sob regime do EI na Síria

Duas sírias arriscaram suas vidas ao usar câmeras escondidas em suas roupas e sair pelas ruas de Raqqa.

RAQQA — Com câmeras secretas, duas mulheres registraram a realidade da vida na cidade de Raqqa, reduto do Estado Islâmico na Síria. Mesmo sabendo que se fossem descobertas perderiam suas vidas, as duas se arriscaram na tentativa de mostrar como a população é oprimida no regime imposto pelo grupo extremistas. Em várias cenas do filme gravado para o jornal sueco “Expressen”, são mostrados combatentes armados nas ruas, além ataques dos jihadistas a prédios e execuções de pessoas.

Também aparecem mulheres com os corpos cobertos ao andar nas ruas e sempre acompanhadas, já que são proibidas de sair de casa sozinhas e punidas se não se cobrirem. Em um momento dos vídeo, uma das autoras é parada por um extremista que pede para ela ajeitar seu véu.

Nem mesmo uma embalagem de tinta para cabelo fica de fora da pressão do EI. As embalagem dos produtos expostos em uma farmácia têm os rostos das modelos riscados.

— Todas as mulheres gostam de mostrar seus rostos. Nós perdemos essa opção, perdemos nossa feminidade — diz uma das cinegrafistas que usa o nome de Om Mohammad.

Ela conta que quando o EI tomou conta da cidade, as mulheres eram autorizadas a vestir o niqabs (véus) normais e não eram obrigadas a usar luvas pretas ou cobrir os olhos ao sair de casa. Mas, a cada semana, conta ela, novas regras eram impostas.

— Escolas para meninas foram fechadas e o ensino começou a ser comandado pelos estudos da lei islâmica. Todo o sistema educacional desapareceu e foi substituído pelas escolas do EI — conta Om Mohammad.

Para assistir o vídeo: http://oglobo.globo.com/mundo/video-secreto-gravado-por-mulheres-revela-vida-sob-regime-do-ei-na-siria-18869831

Leia mais sobre esse assunto emhttp://oglobo.globo.com/mundo/video-secreto-gravado-por-mulheres-revela-vida-sob-regime-do-ei-na-siria-18869831#ixzz42snTheG3
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“UE não é mais tão atraente para Ancara”

Tendo rejeitado a Turquia por décadas como membro, UE faz agora concessões antes impensáveis, coagida pela crise de refugiados. Na realidade, desinteresse é recíproco, diz diretor da Fundação Heinrich Böll em Istambul.

A Turquia solicitou pela primeira vez a filiação à Comunidade Econômica Europeia, antecessora da UE, quase 30 anos atrás, em 14 de abril de 1987. Desde então, a pretensão de ingressar no bloco europeu tem sido indeferida, de maneira mais ou menos explícita. Os motivos alegados vão desde a fragilidade das estruturas democráticas turcas até uma suposta incompatibilidade religiosa e cultural.

Devido a sua situação geográfica, o país desempenha agora um papel-chave na onda migratória a partir do Oriente Médio, podendo funcionar como porta de entrada ou barreira em direção à União Europeia. Em troca de sua ajuda na crise, na conferência de cúpula desta segunda-feira (07/03) em Bruxelas, Ancara exigiu do bloco concessões significativas, tanto em termos financeiros quanto políticos.

O diretor da Fundação Heinrich Böll em Istambul, Kristian Brakel, é também especialista em processos políticos no Oriente Médio. Ele considera toda a atual paparicação de Ancara por Bruxelas como parte de um compreensível jogo de interesses políticos. Entretanto, uma filiação europeia em médio prazo continua fora de cogitação, também pela falta de real interesse turco.

DW: No contexto da mais recente cúpula da União Europeia, voltou a ser tematizada a eventual inclusão da Turquia no bloco europeu. Há alguns anos as negociações nesse sentido estão congeladas. O processo de filiação volta agora a entrar em movimento?

Kristian Brakel dirige a sucursal da Fundação Heinrich Böll em Istambul

 

Kristian Brakel: Seguramente vai haver um pouco mais de movimento, em comparação com o que temos visto nos últimos anos. No entanto não se deve esperar demais. Acho que o motivo por que tanto Ancara quanto a UE lidaram de forma relativamente relaxada com essa parte das exigências turcas é ambos os lados saberem que não é realista falar de filiação no médio prazo.

Por que uma filiação não é realista?

Os motivos são vários. Por um lado, no momento a UE não está em condições de aceitar novos membros. Vigora uma suspensão temporária das filiações. Isso se aplica até mesmo aos países dos Bálcãs, onde há interesse em manter mais vinculados. Isso tem a ver com os problemas internos que a UE vem enfrentando.

Por outro lado, há muito a UE deixou de ser tão atraente assim para Ancara. O espaço de Schengen está ameaçado, antes havia os problemas com a União Monetária. Agora se discute se o Reino Unido não vai abandonar a UE. É uma UE totalmente diferente daquela em que a Turquia queria ingressar, 20 anos atrás. Além disso, não se sente muita vontade em Ancara de que haja alguém de Bruxelas se ingerindo na política interna turca. Isso se aplica em especial ao presidente Recep Tayyip Erdogan.

Assim fica parecendo ser culpa só da UE se a Turquia não puder ingressar no bloco. Em que setores o país apresenta deficiências?

As deficiências são numerosas. No geral, todo candidato à filiação precisa se adaptar ao assim chamado “acervo comunitário” [acquis communautaire, base comum de direitos e obrigações para todos os Estados-Membros], a legislação da UE. Isso começa com a forma dos aterros sanitários, subindo até a independência da Justiça, liberdade de imprensa, padrões comuns de direitos humanos.

Em todos esses aspectos, é claro, há um sem número de “canteiros de obras” para a Turquia. No momento, está em foco sobretudo a investida militar contra os curdos; mas, é óbvio, também os deficits na liberdade de imprensa. Acabamos de ver novamente, no fim de semana passado, quão seriamente esta última questão está ameaçada, no momento.

A que incidentes está se referindo?

Por um lado, à apropriação pelo Estado do jornal Zaman, ligado ao [oposicionista autoexilado nos EUA Fethullah] Gülen. Mas igualmente à estatização da agência de notícias Cihan, nesta terça-feira. Esses não são casos isolados, mas se alinham a toda uma série de ocorrências, nos últimos meses, em que o governo tenta silenciar órgãos de mídia, sobretudo pertencentes ao conglomerado Gülen ou aos movimentos curdos.

Diante desse comportamento do governo turco: é cínica a corte que os europeus estão fazendo agora à Turquia?

Isso é um pouco complicado. A política externa é ditada por interesses. E naturalmente é no interesse da UE assumir o controle da crise de refugiados. Pois, se isso não acontecer, perdemos a UE como união política, uma união que seja mais do que um espaço em que só nos concedemos subvenções reciprocamente.

Desse ponto de vista, a atual forma de lidar com a Turquia faz todo sentido. Também faz sentido melhorar a francamente miserável situação dos refugiados no país. Inadmissível é Ancara se apropriar desse potencial para chantagear a UE; ou que a UE de repente passe a fazer vista grossa às violações dos direitos humanos dentro da Turquia. Cabe esperar que as coisas voltem a tomar uma outra feição, assim que a tinta no documento tiver secado.

Fonte: DW

Iraquiana sequestrada pelo Estado Islâmico: ‘Fui vítima de jihad sexual’

Quando integrantes do grupo autodenominado Estado Islâmico (EI) invadiram a aldeia de Nadia Murad no Iraque, mataram todos os homens, incluindo seis de seus irmãos.

Nadia é da minoria étnica e religiosa yazidi, considerada “infiel” pelos extremistas do EI.

Ela e centenas de outras mulheres yazidis foram sequestradas, vendidas e passadas de mão em mão por homens que as estupraram em grupo. Foram vítimas do que o EI chama de “jihad sexual”.

Nadia conseguiu fugir, mas acredita-se que milhares de mulheres continuem presas.

Nadia Murad está em Londres em campanha para chamar a atenção para seu povo.

O ataque

Em 3 de agosto de 2014, o EI atacou os yazidis em Sinjar, região no norte do Iraque próxima a uma montanha de mesmo nome. Antes disso haviam atacado locais como Tal Afar, Mosul e outras comunidades xiitas e cristãs, forçando a saída dos moradores.

“A vida em nosso vilarejo era muito feliz, muito simples. Como em outros vilarejos, as pessoas não viviam em palácios. Nossas casas eram simples, de barro, mas levávamos uma vida feliz, sem problemas. Não incomodávamos os outros e tínhamos boas relações com todos”, contou Nadia ao programa HARDtalk da BBC.

Nesse dia, diz ela, 3 mil homens, idosos, crianças e deficientes foram massacrados pelo EI.

Alguns conseguiram fugir e se refugiar no monte Sinjar, mas a aldeia estava longe da montanha e o EI cercou as saídas.

Image copyrightReuters
Image captionPerseguidos pelo EI, os yazidis reverenciam a Bíblia e o Alcorão, mas grande parte de sua tradição é oral

“Rodearam a aldeia por alguns dias mas não entraram. Tentamos pedir ajuda por telefone e outros meios. Sabíamos que algo horrível iria acontecer. Mas a ajuda não chegou, nem do Iraque nem de outras partes.”

Depois de alguns dias, o EI encurralou os moradores na escola da aldeia e ali mantiveram homens, mulheres e crianças.

“Deram-nos duas opções: a conversão ao Islã ou a morte”, disse Nadia.

Assassinatos, sequestros e estupros

Logo separaram os homens, cerca de 700. Levaram todos para fora da aldeia e começaram a baleá-los. Nove irmãos de Nadia estavam entre eles.

Seis dos irmãos de Nadia morreram – três ficaram feridos mas escaparam.

“Da janela da escola podíamos ver os homens sendo baleados. Não vi meus irmãos sendo atingidos. Até hoje não pude voltar à aldeia nem ao local da matança. Não há notícias de nenhum dos homens.”

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Image captionMulheres yazidis são alvo da chamada ‘jihad sexual’ do Estado Islâmico.

Segundo Nadia, meninas acima de nove anos e meninos acima de quatro anos foram levados a campos de treinamento. “Depois levaram umas 80 mulheres, todas acima de 45 anos, incluindo minha mãe. Uns diziam que haviam sido mortas, outros que não. Mas quando parte de Sinjar foi liberada encontrou-se uma vala comum com seus corpos.”

Ao todo, 18 membros da família de Nadia morreram ou estão desaparecidos.

Nadia foi levada com outras mulheres. Havia cerca de 150 meninas no grupo, incluindo três sobrinhas dela.

Elas foram divididas em grupos e levadas em ônibus até Mosul.

“No caminho eles tocavam nossos seios e esfregavam as barbas em nossos rostos. Não sabíamos se iam nos matar nem o que fariam conosco. Percebemos que nada de bom iria ocorrer porque já tinham matado os homens e as mulheres mais velhas, e sequestrado os meninos.”

Ao chegar ao quartel-general do EI em Mosul, encontraram muitas jovens, mulheres e meninas, todas yazidis. Tinham sido sequestradas em outras aldeias no dia anterior.

A cada hora, homens do EI chegavam e escolhiam algumas meninas. Elas eram levadas, estupradas e devolvidas.

Nadia percebeu que esse também seria seu destino.

Image copyrightReuters
Image captionApós fugir com ajuda de uma família muçulmana sem conexão com o EI, Nadia viaja o mundo chamando a atenção para o drama do povo yazidi.

Sem compaixão

No dia seguinte, um grupo de militantes do EI chegou. Cada um escolheu uma menina, algumas entre 10 e 12 anos.

“As meninas resistiram, mas foram forçadas a ir. As mais jovens se agarravam às mais velhas. Uma delas tinha a mesma idade de minhas sobrinhas, chorava e se prendia a mim.”

Quando chegou sua vez, Nadia foi selecionada por um homem bem gordo que a levou a outro andar. Um outro militante passou e o convenceu a levá-la – mas isso não mudou as coisas.

“O homem mais magro me levou até sua casa, tinha guarda-costas. Estuprou-me, e foi muito doloroso. Nesse momento percebi que teria sofrido do mesmo jeito, não importa com quem.”

Nenhum dos homens mostrou clemência. Todos estupraram as mulheres de forma violenta. “As coisas que fizeram foram horríveis. Nunca imaginamos que coisas tão terríveis aconteceriam conosco.”

Os extremistas podiam manter as mulheres por mais de uma semana, porém frequentemente elas eram vendidas após um dia ou até uma hora.

Algumas mulheres dos irmãos de Nadia estavam grávidas quando foram capturadas e deram à luz no cárcere.

Elas também foram levadas ao tribunal islâmico do EI e forçadas a se converter.

Nadia passou três meses com o homem que a levou. Durante esse período conseguiu conversar com alguns sequestradores.

Image copyrightAP
Image captionEmbora algumas áreas de Sinjar tenham sido liberadas, ainda há valas comuns por descobrir

“Perguntei por que faziam aquilo conosco, por que haviam matado nossos homens, por que nos estupraram violentamente. Disseram-me que ‘os yazidis são infiéis, não são um povo das Escrituras, são um espólio de guerra e merecem ser destruídos'”.

Ainda que a maior parte desses militantes fossem casados, as famílias – inclusive as mulheres – pareciam aceitar o que faziam, disse Nadia.

Em uma ocasião, ela pediu autorização para fazer uma chamada telefônica porque queria escutar uma voz familiar.

Disseram que poderia ligar para seu sobrinho por um minuto, mas com uma condição: “Que primeiro eu lambesse o dedo do pé que um homem havia coberto com mel.”

Muitas jovens na mesma situação se suicidaram, disse Nadia, mas essa não foi uma opção para ela.

“Acho que todos devemos aceitar o que Deus nos deu, sem importar se é pobre ou sofreu uma injustiça, todos devemos suportar.”

Ela tampouco questionou sua fé. “Deus estava cada minuto em minha mente, ainda quando estava sendo estuprada.”

Nadia tentou fugir pela primeira vez por uma janela, mas um guarda a capturou imediatamente e a colocou em um quarto.

Sob as regras do EI, disse Nadia, uma mulher se converte em espólio de guerra caso seja capturada tentando escapar. Colocam-na em uma cela onde foi estuprada por todos os homens do complexo.

“Fui estuprada em grupo. Chamam isso de jihad sexual.”

Fuga

Após esse episódio, Nadia não pensou em fugir de novo, mas o último homem com quem viveu em Mosul decidiu vendê-la e foi arranjar roupas para ela.

Quando ordenou que ela tomasse banho e se preparasse para a venda, ela aproveitou para escapar.

“Bati na porta de uma casa onde vivia uma família muçulmana sem conexão com o EI e pedi ajuda. Disse que meu irmão daria o que eles quisessem em troca.”

Por sorte a família não apoiava o EI e a apoiou inteiramente.

“Deram-me um véu negro, um documento de identidade islâmico e me levaram até a fronteira.”

Agora livre, Nadia Murad se tornou uma ativista que viaja o mundo fazendo campanha para chamar atenção para a tragédia dos yazidis.

Image copyrightReuters
Image captionSamantha Power (à esq.), embaixadora dos EUA na ONU, apresenta Nadia a integrantes do Conselho de Segurança

Ela já visitou os EUA, Reino Unido, Europa e países árabes, falou na ONU, conheceu parlamentares e líderes mundiais.

A resposta, contudo, tem sido lenta.

“Todos sabem o que é o Estado Islâmico. Escutam-me com atenção mas não prometem nada”, afirma. “Dizem que analisarão o caso e verão o que é possível fazer, mas até agora nada aconteceu”, afirmou.

Após um ano e meio do ataque, ainda há mulheres e meninas sequestradas.

A região ainda não foi completamente liberada. Nas regiões em que o EI foi expulso, há valas comuns ainda não descobertas.

Nadia espera voltar a seu vilarejo para ver o que sobrou e saber do destino dos desaparecidos.

“Juro por Deus que todos estamos muito cansados. Já se passou um ano e meio desde que isso nos aconteceu. Sentimos que estamos abandonados pelo mundo”, disse Nadia, às lágrimas.

“Mataram minha mãe. Meu pai morreu faz tempo. Meu irmão mais velho era como um pai para mim, mas também foi morto. Peço ao mundo que faça algo por nós.”

http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/03/160301_jihad_sexual_tg

Bashar al-Assad: “Há 80 países que apoiam os terroristas na Síria”

O próximo mês marca o quinto aniversário do início das revoltas depois das quais a Síria mergulhou numa das guerras mais sangrentas que se tem notícia na história do Oriente Médio. Ao menos 260.000 pessoas morreram, segundo a ONU. Cinco milhões de sírios procuraram refúgio no exterior. A Europa recebeu um milhão de pessoas, numa das piores crises humanitárias do último século. Tentando atravessar o Mediterrâneo, 3.000 pessoas morreram afogadas no ano passado.

Bashar al-Assad, que se tornou presidente do país depois da morte do pai no ano 2000, perdeu –logo após a eclosão do conflito– o controle de uma parte do país, quando grandes cidades como Homs e Aleppo caíram nas mãos das milícias rebeldes armadas. Recentemente, recuperou terreno nesses bastiões adversários e seu Exército lançou uma ofensiva para interromper as vias de acesso e abastecimento dos rebeldes a partir da Turquia, com a cobertura decisiva dos bombardeios da aviação russa, que começaram em setembro.

O presidente sírio, recebeu o EL PAÍS no sábado, em meio a um forte esquema de segurança em Damasco. Concedeu esta entrevista num momento em que já fala de retomar todo o território nacional e ganhar a guerra, a apenas quatro dias de uma nova reunião para a retomada das negociações de paz em Genebra e com a questão de que se o cessar-fogo anunciado pelos EUA e a Rússia em 12 de fevereiro terá efeito, depois de que na sexta-feira expirou sem sucesso o prazo que haviam definido para sua aplicação. Ele diz que sua próxima missão é perseguir oEstado Islâmico no coração de suas operações, sua autoproclamada capital em Raqa.

Assad diz aos refugiados que podem regressar ao país sem medo de represálias e acusa Governos islâmicos como os do Qatar e da Turquia de haver promovido o conflito na Síria, um cenário no qual, admite, não só se medem os interesses de um Estado, mas os de toda uma região, com a Arábia Saudita e o Irã como potências em conflito.

Pergunta. Nesta semana foi permitido o acesso de ajuda humanitária a sete áreas sitiadas. Há estimativas de que nessas áreas vivem 486.000 pessoas, muitas delas cercadas há mais de três anos. Por que a introdução dessa ajuda demorou tanto?

Resposta. Na realidade, isso não aconteceu recentemente. Está em andamento desde o início da crise. Nós não impusemos nenhum embargo sobre qualquer área na Síria. Há uma diferença entre um embargo e um exército cercando uma área específica, porque há milicianos, e isso é algo natural nesse caso de segurança ou situação militar. Mas o problema nessas áreas é que os próprios grupos armados confiscaram alimentos e outros bens básicos dos habitantes e os entregaram aos milicianos ou os venderam a preços muito elevados. Enquanto Governo, não impedimos nunca a chegada de ajuda a qualquer área, inclusive àquelas que estão sob controle do Estado Islâmico [ISIS, na sigla em inglês], como a cidade de Raqa, no norte do país, que agora está sob seu controle e antes estava sob o controle da Frente Al-Nusra [ramo local da Al-Qaeda], por quase três anos. Enviamos a essas áreas todas as pensões dos aposentados, os salários dos funcionários e as vacinas para as crianças.

P. Então continuam enviando a Raqa e a outros bastiões do ISIS a comida e os salários dos funcionários?

R. Sim. Se enviarmos salários a Raqa porque acreditamos como Governo que qualquer pessoa síria está sob nossa responsabilidade, como não vamos fazer isso em outras áreas? Isso seria contraditório. É por isso que eu disse que o envio de ajuda humanitária não é algo recente. Nós, desde o início, nunca deixamos de permitir o encaminhamento de ajudas e alimentos.

P. E continuarão chegando?

R. Claro.

P. A Rússia e os EUA anunciaram uma trégua na semana passada. O Governo sírio está disposto a respeitar o cessar-fogo e a suspensão das operações militares na Síria?

R. Claro. Além disso, anunciamos que estamos prontos para isso, mas a questão não depende unicamente de um anúncio. Depende do que fizermos no terreno. Agora, eu acredito que o conceito de cessar-fogo não é correto, porque o cessar-fogo tem lugar entre dois exércitos ou dois países em conflito. Seria melhor usar o conceito de cessação de operações. Depende principalmente de interromper o fogo, mas também de outros fatores complementares e que são mais importantes, tais como impedir que os terroristas aproveitem a suspensão das operações para melhorar suas posições. Também depende de proibir outros países, especialmente a Turquia, de enviar mais homens e armas ou qualquer tipo de apoio logístico aos terroristas. Além disso, existe uma resolução do Conselho de Segurança da ONU relativa a esse ponto que não foi observada. Se nós não garantirmos todos esses requisitos necessários para a suspensão das operações, tudo isso terá um efeito negativo e causará mais caos na Síria e também poderá levar à divisão de fato do país. Portanto, aplicar a cessação das operações pode ser positivo se forem atendidos os requisitos necessários.

P. Então, haverá combates, apesar do cessar-fogo, pelo menos contra alguns grupos armados?

R. Sim, certamente, como por exemplo, contra ISIS, Al Nusra e outras organizações ou grupos terroristas filiados à Al-Qaeda. Agora, a Síria e a Rússia anunciam quatro nomes: Ahrar Al-Sham e Jeish Al-Islam [Exército do Islã], além da Frente Al-Nusra e do ISIS.

P. As suas tropas já cercam Aleppo, um dos bastiões da oposição. Quando preveem retomar o controle completo dessa cidade?

R. Na verdade, já estamos no centro da cidade e grande parte dela está sob controle do Governo. A maioria dos habitantes dos subúrbios se deslocou da área controlada pelos terroristas para áreas sob controle do Governo. A questão já não é retomar o controle da cidade. Na verdade, a questão reside em bloquear as estradas entre a Turquia e os grupos terroristas. Esse é o objetivo das batalhas em Aleppo agora, e o conseguimos recentemente, fechamos as principais vias. Não há um isolamento completo entre Aleppo e a Turquia, mas torna a relação entre a Turquia e os terroristas muito mais difícil. É por essa razão que a Turquia está bombardeando os curdos recentemente.

P. O que virá depois de Aleppo? O Exército sírio está preparado para chegar a Raqa, capital autoproclamada do Estado Islâmico?

R. Em princípio, iremos para todos os lugares, mas neste momento estamos combatendo em mais de dez frentes na Síria. Estamos avançando em direção a Raqa, mas ainda estamos longe dela. Em princípio, sim, estamos indo rumo a Raqa e a outras áreas, embora o tempo dependa dos resultados dos diferentes combates atualmente em curso no país e por essa razão não é possível definir com exatidão o prazo.

P. A Rússia começou uma intensa campanha de ataques aéreos contra as principais posições da oposição. Isso foi um ponto de inflexão no conflito. Alguns consideram que a Síria tem a iniciativa agora. O senhor acredita que poderia ter conseguido isso sem ajuda externa?

R. Sem dúvida, o apoio russo e iraniano foi essencial para que o nosso Exército conseguisse esse avanço. Mas dizer que não teríamos sido capazes de alcançar essas realizações é uma pergunta hipotética. Quero dizer que ninguém pode ter uma resposta certa. Mas, certamente, nós precisamos dessa ajuda por uma razão simples: porque mais de 80 países apoiam com diferentes meios os terroristas. Alguns diretamente com dinheiro, apoio logístico, armas ou combatentes. E outros países ofereceram apoio político nos diferentes fóruns internacionais. A Síria é um país pequeno e nós podemos lutar, mas em última análise existe um apoio incondicional a esses terroristas e é óbvio que nessa situação existe a necessidade de apoio internacional. Mas volto a dizer que essa pergunta é hipotética e não posso respondê-la.

P. No que diz respeito às incursões aéreas russas, as vítimas civis não o preocupam? Na segunda-feira, um hospital foi bombardeado, onde perderam a vida 50 pessoas. Os EUA responsabilizaram a Rússia pelo incidente.

R. Outros responsáveis norte-americanos disseram que não sabiam quem havia cometido o ato, foi isso o que disseram mais tarde. Essas declarações contraditórias são algo comum nos EUA, mas ninguém tem uma prova que indique o autor dos ataques e como ocorreram. Com respeito às vítimas, esse é um problema de todas as guerras. É claro que sinto tristeza pela morte de qualquer civil inocente neste conflito, mas assim é a guerra. As guerras são ruins, não existe guerra boa, porque sempre haverá civis e sempre haverá inocentes que pagam o preço

P. Então como o senhor explica ao seu povo, aos sírios, que existe um Exército estrangeiro operando em seu território que causou vítimas civis? O senhor vê isso como algo inevitável?

R. Não, não há nenhuma evidência de que os russos tenham atacado alvos civis. Eles são muito precisos em seus ataques e sempre atacam, todos os dias, bases e posições terroristas. São os norte-americanos que assassinaram muitos civis na parte norte da Síria. Até agora não aconteceu um único incidente russo relacionado com civis, pois os russos não atacam civis e seus ataques ocorrem principalmente em áreas rurais.

P. Falando de exércitos estrangeiros, como o senhor responderá se a Turquia e a Arábia Saudita cumprirem suas ameaças de enviar tropas ao seu país sob o pretexto de combater o Estado Islâmico?

R. Como você diz, esse é o pretexto. Mas se isso acontecer, vamos tratá-los como estamos tratando os terroristas. Vamos defender o nosso país. Tal ação constitui uma agressão. Eles não têm nenhum direito de intervir na Síria, política ou militarmente. Seria uma violação da lei internacional e para nós, como cidadãos sírios, nossa única opção é lutar e defender nossa pátria.

P. A Turquia começou a bombardear as áreas sírias a partir do seu território.

R. Sim, e antes do bombardeio a Turquia enviou terroristas e, portanto, está trabalhando para alcançar o mesmo objetivo e produz o mesmo efeito com diferentes meios. A Turquia está envolvida nos acontecimentos na Síria desde o início.

P. A Arábia Saudita tentou unir a oposição em uma conferência realizada em Riad. Alguns milicianos ligados à Al-Qaeda estiveram presentes às reuniões. O senhor reconhece algum grupo da oposição armada como parte legítima com a qual pode negociar?

R. Refere-se aos grupos que combate sobre o terreno?

P. Sim.

R. Não. Dos pontos de vista legal e constitucional, todo aquele que porta armas contra o povo e contra o Governo é um terrorista, seja no seu país, no nosso país ou em qualquer outro país do mundo. Não podemos dizer que essas pessoas gozam de legitimidade. Poderão ser legítimos quando depuserem as armas e participarem do processo político. Essa é a única forma possível em qualquer país para a reconstrução ou para mudanças na lei, na constituição ou no Governo. Isso pode ser feito por meio de um processo político, e não com uma arma.

P. Então o senhor considera terroristas todos aqueles que combatem?

R. Sempre e quando não anunciarem que estão dispostos a se juntar ao processo político, sim. Só então não teremos problema com eles.

P. No que diz respeito aos combatentes, independentemente das suas intenções, se renunciarem às armas e quiserem voltar, eles poderão fazê-lo?

R. Nós vamos conceder anistia a eles, isso já aconteceu nos últimos dois anos e ultimamente se acelerou. Muitos deles depuseram as armas e alguns se juntaram às fileiras do Exército sírio e atualmente lutam contra o ISIS e recebem apoio do Exército sírio e dos caças russos.

P. Então, se como o senhor disse, aqueles que pegaram em armas contra o Governo são todos terroristas, com quem exatamente negociam em Genebra?

R. Em Genebra supunha-se que havia uma mistura. De um lado terroristas e extremistas que foram treinados na Arábia Saudita, alguns dos quais pertencem à Al-Qaeda. De outro lado são oposicionistas que vivem no exílio ou dentro da Síria. Podemos negociar com este outro lado, com sírios patriotas vinculados ao seu país, mas sem dúvida não podemos negociar com os terroristas, e por isso a conferência fracassou.

P. E os líderes e ativistas da oposição que estão presos na Síria desde antes da eclosão do conflito em 2011?

R. Todos eles saíram a muito tempo da prisão e a grande maioria deles já faz parte da oposição.

P. Todos?

R. Todos saíram antes de 2010, inclusive alguns terroristas que haviam sido condenados a vários anos de prisão, como por exemplo cinco anos, cumpriram a sentença, saíram, e quando a crise começou eles se incorporaram novamente aos grupos terroristas.

P. O senhor tem provas disso?

R. Sim. Um deles morreu recentemente, Zahran Aloush. Ele foi condenado à prisão porque tinha vínculos com a Al-Qaeda, e quando a crise começou ele formou seu próprio grupo terrorista.

P. De acordo com algumas estimativas, existem 35.000 jihadistas estrangeiros hoje na Síria, entre eles 4.000 que vieram da Europa. O Governo espanhol afirmou que cerca de 300 pessoas têm passaportes espanhóis. O que vai acontecer com eles se caírem nas mãos do Exército sírio?

R. Os espanhóis?

P. Os jihadistas estrangeiros em geral.

R. Primeiro, nós lidamos com eles como lidamos com os demais terroristas. Do ponto de vista legal não existe diferença em relação às nacionalidades, mas se pergunta sobre extraditá-los aos seus países, isso se daria através das relações institucionais dos dois países.

P. Nesse contexto, do seu ponto de vista, o que atrai esse grande número de estrangeiros à Síria?

R. Basicamente, o respaldo que recebem. Eles recebem um verdadeiro respaldo externo. A Arábia Saudita é o principal financiador desses terroristas. Ela os coloca em aviões, os envia à Turquia e de lá à Síria. O outro fator de atração está no caos, já que o caos é um terreno fértil para os terroristas. O terceiro fator é a ideologia, porque eles pertencem à Al Qaeda. Essa região, em nossa cultura religiosa, a cultura do Islã, ocupa uma posição destacada depois de Meca, Jerusalém e os demais locais sagrados. Eles acreditam que podem vir aqui para estabelecer seu estado e certamente se expandirão a outras regiões mais tarde. Mas a ideia é que eles podem vir, combater e morrer por Alá e o Islã, para eles isso é a jihad.

P. Se o Governo conseguir o controle de todo o território sírio, o senhor dará início a um processo político? O senhor estaria disposto a participar novamente de eleições?

R. O mais normal seria a formação de um Governo de unidade nacional que integre todas as correntes políticas que desejam fazer parte do mesmo. Este Governo deverá preparar as condições para a elaboração de uma nova Constituição, porque se existe a vontade de falar do futuro da Síria e debatê-lo com os diferentes partidos, e discutir a maneira de solucionar o problema interno, deve-se debater a Constituição. A Constituição certamente deve ser submetida a uma consulta popular. E em função da nova Constituição devem ser realizadas eleições antecipadas. Se o povo e os diferentes partidos querem realizar eleições, serão realizadas. Mas solucionar a parte política do problema nada tem a ver com minha opinião pessoal.

P. Como o senhor se vê daqui a 10 anos?

R. O mais importante é como vejo o meu país, porque sou parte de meu país. Consequentemente, depois de dez anos quero ter sido capaz de salvar a Síria, mas isso não significa que continuarei sendo presidente. Estou falando de minha visão sobre esse período. A Síria estará bem e eu serei a pessoa que salvou seu país. Esse é meu trabalho agora e esse é meu dever. De modo que vejo a mim mesmo em relação ao cargo e a minha pessoa como cidadão sírio.

P. Mas o senhor estará no poder depois de 10 anos?

R. Esse não é meu objetivo. Para mim não me interessa minha presença no poder. Para mim se o povo sírio quer que eu esteja no poder, então estarei e se não quiser, então não estarei. Se eu não posso ajudar meu país, então devo sair imediatamente.

P. Com sua permissão, gostaria de citar uma parte do relatório do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre a Síria, publicado em 3 de fevereiro: “Alguns presos pelo Governo foram espancados até a morte ou morreram pelas feridas que sofreram durante a tortura”. Acrescenta que o Governo cometeu crimes de guerra.

R. Isso é semelhante ao que os catarianos fizeram há um ano, mais ou menos, quando falsificaram um relatório composto por imagens não verificadas de pessoas feridas, baseando-se em informações de fontes duvidosas. Depois enviaram o relatório às Nações Unidas. Isso é parte da manipulação midiática feita contra a Síria. Esse é o problema, o Ocidente e sua campanha midiática. São utilizadas informações não verificadas para acusar a Síria, responsabilizá-la e depois adotar medidas contra o país.

P. O mundo se emocionou com a imagem do garoto Aylan Kurdi, um refugiado sírio que tinha três anos de idade, que apareceu morto em uma praia da Turquia. Como o senhor se sentiu com essa imagem?

R. É uma das partes mais tristes do conflito sírio, que existam pessoas que abandonem seu país por diversas razões. Mas além do sentimento, a pergunta que população síria faz a nós, como funcionários públicos, é o que vamos fazer. Quais medidas foram tomadas para permitir que esses refugiados voltem ao seu país ou não precisem sair. Existem duas razões. A primeira, a que nós precisamos enfrentar, obviamente, é o terrorismo, porque os terroristas não somente ameaçam a população, mas a privam de seus meios de vida básicos. A segunda razão é o embargo aplicado contra a Síria por parte do Ocidente, especialmente os EUA, algo que causou mais dificuldades para a vida das pessoas daqui, especialmente na área de saúde. Devemos enfrentar essas razões para evitar que essa tragédia se prolongue por muito tempo.

P. O senhor mencionou que parte desses refugiados fogem do EI, mas alguns afirmam que fogem do governo e das campanhas realizadas pelo governo em algumas regiões sírias.

R. Eu poderia mostrar-lhe fatos que contradizem isso e que você poderá ver durante sua estadia na Síria, e a maioria das pessoas que vivem na área sob o controle dos terroristas, migrou à região sob o controle do governo. De modo que se querem fugir do Governo, por que pedem ajuda ao Governo? Isso não é real. Mas agora, quando existe uma batalha, tiroteio e enfrentamentos entre o Governo e os terroristas em determinadas áreas, é natural que a maioria de seus habitantes deixe essas áreas rumo a outras, mas isso não significa que fujam do Governo. Alguns dos que migraram às regiões sob o controle do Governo são familiares dos próprios combatentes rebeldes.

P. Segundo estimativas internacionais, por volta de cinco milhões de refugiados fugiram da Síria. Um milhão se dirigiu à Europa. Quais garantias essas pessoas têm para regressar com toda a liberdade e sem medo de represálias.

R. É claro que podem voltar, quero dizer que têm o direito de retornar. A menos que se trate de um terrorista e assassino, não fugiram do Governo. E alguns deles, e acredito que um grande número, são partidários do Governo e não fugiram dele, mas como eu disse, as condições de vida se deterioraram muito nos últimos cinco anos. Então com certeza, podem retornar sem que o Governo adote qualquer tipo de medidas contra eles. Queremos que as pessoas voltem à Síria.

P. O que o seu Governo pode fazer para deter o fluxo de refugiados que provocou a morte por afogamento de tantas pessoas no Mediterrâneo?

R. Como eu já disse, não depende unicamente da Síria, mas também do resto do mundo. Primeiro, a Europa deve levantar o embargo imposto sobre o povo sírio, porque na realidade não é um embargo sobre o Governo sírio, mas contra o povo sírio. Segundo, a Turquia deve deixar de enviar terroristas à Síria. Terceiro, como Governo, devemos combater os terroristas, sem hesitar, e devemos melhoras as condições de vida das pessoas com todos os meios a nosso alcance que permitam aos sírios continuar em seu país. Essa é o único caminho que pode trazer essas pessoas de volta e convencê-las a voltar ao seu país. Estou certo de que a maioria delas quer voltar à Síria.

P. Quando o senhor chegou ao poder, prometeu realizar reformas democráticas, no que foi chamado de “a primavera de Damasco”. Alguns acreditam que se o senhor tivesse realizado aquelas reformas com mais rapidez, poderia ter salvado muitas vidas. Principalmente a oposição e os EUA alegam que se o senhor tivesse abandonado o poder, muitas dessas vidas seriam salvas. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

R. A pergunta é: Qual é a relação entre o que você mencionou e o envio de dinheiro por parte do Catar, o envio de armas e o respaldo direto aos terroristas? Qual é a relação entre isso e o papel da Turquia no respaldo aos terroristas? Qual é a relação disso com a presença do EI e da Al Nusra na Síria? Então essa relação não é correta. Se querem mudar o presidente do governo, em qualquer regime, seja em seu país ou em qualquer outro país, devem fazê-lo mediante um processo político. Não podem utilizar as armas. O uso das armas não pode ser o caminho para mudar o regime e estabelecer uma democracia. Não se consegue a democracia com uma pistola e a experiência dos EUA no Iraque o demonstra. Acontece a mesma coisa no Iêmen. O presidente [Ali Abdullah] Saleh abandonou o poder pelas mesmas alegações. O que aconteceu no Iêmen? Por acaso está melhor agora? Isso não é correto e não existe nenhuma relação. Podemos conseguir a democracia mediante o diálogo e ao mesmo tempo elevando o nível da sociedade à democracia, para alcançar essa mesma democracia. A verdadeira democracia deve ser estabelecida na base da própria sociedade. Como podemos aceitar um ao outro. Essa região é um recipiente que reúne as diferentes etnias, seitas e religiões. Como eles podem aceitar-se um ao outro? Quando conseguirem fazê-lo, então poderão aceitar-se um ao outro politicamente e então a verdadeira democracia será alcançada. De modo que o tema não depende do presidente. Tentaram personalizar o problema, somente para demonstrar que é um simples problema e que se o presidente abandonar o poder, então tudo ficará bem. Ninguém pode aceitar essa visão.

P. Nestes cinco anos, vendo tantas vidas perdidas e sítios arqueológicos destruídos, o senhor teria feito alguma coisa diferente?

R. No geral, se queremos falar sobre princípios, desde o início dissemos que combateríamos o terrorismo e que iríamos estabelecer um diálogo. Abrimos o diálogo com todos, com exceção dos grupos terroristas. Ao mesmo tempo, abrimos as portas aos terroristas se quisessem depor as armas e voltar a sua vida normal, pois oferecemos a eles uma anistia geral. Então, esse é o princípio da solução integral. Agora, cinco anos depois, não posso dizer que isso tenha sido um erro, e não acredito que iremos mudar esses princípios. Implementar as medidas às vezes é diferente, porque isso depende de diversos responsáveis, diversas instituições, diversas pessoas e diversos indivíduos. Qualquer um pode cometer erros, e isso pode acontecer. Então se quiséssemos mudar algo, se pudéssemos mudar os erros cometidos em diferentes partes, o teríamos feito; isso é o que eu teria feito se pudesse voltar os ponteiros do relógio.

P. Então, do seu ponto de vista, desde o começo o senhor chamou de terroristas os protestos que ocorreram em Daraa e Damasco, como infiltrados pelas forças estrangeiras. Como o senhor enxergou aquelas primeiras manifestações contra o Governo?

R. No começo existia uma mistura de manifestantes. Primeiro, o Catar pagou a esses manifestantes para que aparecessem na Al Jazeera e depois convencer a opinião pública mundial de que o povo se levantava contra o presidente. O maior número que conseguiram foram 140.000 manifestantes em toda a Síria, o que não é nada, em quantidade, e é por isso que não estávamos preocupados. Então, infiltraram os manifestantes com militantes que dispararam contra a polícia e contra os manifestantes, com a finalidade de provocar mais protestos. Quando fracassaram, começaram a enviar armas para apoiar os terroristas. Mas existiram manifestantes que protestaram honestamente? Que queriam uma mudança? Com certeza, mas não todos. Não se pode dizer que todos eles, como também não se pode dizer que todos eram terroristas.

P. O senhor visitou a Espanha duas vezes e os presidentes José María Aznar e José Luis Rodríguez Zapatero também visitaram a Síria quando estavam no cargo. Como tem sido sua relação com a Espanha desde então?

R. A Espanha de modo geral é contrária a qualquer solução arriscada na Síria. É algo que valorizamos. Não apoiaram nenhuma ação militar contra a Síria e disseram que isso complicaria ainda mais a situação. Não falam em derrubar o presidente e interferir em nossos assuntos nacionais. Disseram que tudo deve acontecer baseado em uma solução política e mediante um processo político. Isso é muito bom. Mas ao mesmo tempo, a Espanha é parte da União Europeia e isso faz com que fique atada às decisões da UE. Esperamos da Espanha esse papel em fazer chegar a mesma mensagem e transmitir nosso ponto de vista político sobre nosso conflito à União Europeia.

P. Na América Latina, em sua opinião, onde possuem o maior respaldo?

R. No geral, e é algo estranho e lamentável ao mesmo tempo, os países mais distantes da Síria têm uma visão muito mais realista do que acontece na Síria do que os europeus, que são mais próximos em distância, nós somos considerados como o quintal da Europa. Estou falando em nível oficial e enquanto sírio ao mesmo tempo. Eles nos conhecem muito mais e apoiam a Síria em todos os foros internacionais e não mudaram sua postura desde o início da crise.

P. O Brasil possui a maior comunidade síria no exterior. Como é sua relação com o Governo brasileiro?

R. Temos relações normais com eles, como temos com a Argentina, Venezuela, Cuba e todos os países da América Latina. Nossas relações não mudaram por conta da crise e eles conhecem cada vez melhor a situação e apoiam a Síria cada vez mais. Isso é muito diferente da postura europeia.

Fonte: El País